nettoperdesuaalma
                                  "NETTO PERDE SUA ALMA"
                 
                                           de
                          Tabajara Ruas, Fernando Marés de Souza,
                           Rogério Brasil Ferrari e Ligia Walper



         1     EXT. HOSPITAL / FACHADA - NOITE                          1

               PG fachada Hospital Militar. O vento agita folhas caídas.
               Dolly in até a porta principal, entreaberta. No interior do
               prédio, escuridão.



         2     INT. HOSPITAL / CORREDOR - NOITE                         2

               Dolly in através do corredor interno do Hospital. Avança na
               direção da porta ao fundo.



         3     EXT. TUIUTY / RIACHO - DIA                               3

               C.up Netto(60). Sujo de sangue e lama. Grita e se contorce
               de dor.



         4     INT. HOSPITAL / CORREDOR - NOITE                         4

               Travelling lateral ao longo do corredor. As paredes
               descascadas aparecem e desaparecem por detrás dos arcos.



         5     EXT. TUIUTY / RIACHO - DIA                               5

               P. Próx. de Netto. Rasteja na lama. Esforça-se para superar
               a dor.



         6     INT. HOSPITAL / CORREDOR - NOITE                         6

               Dolly in através do corredor interno do Hospital. Avança na
               direção da porta ao fundo, cada vez mais próxima.



         7     EXT. TUIUTY / RIACHO - DIA                               7

               Plano médio de Netto. Tem um sabre enterrado na coxa
               esquerda. Na mão direita, sua própria espada.

               Netto rasteja pela beirada de um riacho raso.



         8     INT. HOSPITAL / CORREDOR - NOITE                         8

               Dolly in através do corredor interno do Hospital.
               Contraplongée a 90o mostra o teto. Avança na direção da
               porta ao fundo.



         9     EXT. TUIUTY/ RIACHO - DIA                                9

               Detalhe do sabre enterrado na perna de Netto.

               P.Próx. Netto puxa o sabre para tirá-lo da perna.

               C. up Netto transfigurado pela dor e pelo esforço.



        10     INT. HOSPITAL / CORREDOR - NOITE                        10

               Dolly in através do corredor interno do Hospital. Avança
               até a porta fechada. A escuridão da porta preenche todo o
               espaço. Black.

               CARTÃO: Hospital Militar de Corrientes - Argentina - Julho
               de 1866



        11     INT. HOSPITAL / SALA DE CIRURGIA - NOITE                11

               Entram dois enfermeiros carregando Netto sobre a maca,
               acompanhados das enfermeiras Zubiaurre e Laura. Netto está
               com a farda em farrapos, sujo de lama. Uma luminosidade de
               velas projeta sombras que se movem.

               Os enfermeiros transferem Netto da maca para a cama.

               Netto abre os olhos ao ser colocado na cama, chapado de
               morfina. As enfermeiras começam a tirar a farda de Netto.

               PV Netto. Vê Zubiaurre sobre ele.

                                   ZUBIAURRE
                         Está acordando, Doutor.

               Surge por sobre o ombro de Zubiaurre a figura do doutor
               Philip. Ele fala para Netto.

                                   PHILIP
                         Tranquilo General. O senhor está
                         en el Hospital de Corrientes,
                         entre amigos.
                             (para Zubiaurre)
                         Aplique outra dose de morfina.

               Philip afasta-se. Laura retira o lenço de Netto, percebe um
               A bordado nele.

                                   LAURA
                         A? O que será este A?

               Zubiaurre prepara a injeção e aplica na veia de Netto.

               Zubiaurre e Laura saem. Plongée de Netto nu.



        12     INT. ESTÚDIO - NOITE                                    12

               C.up Milonga.

                                   MILONGA
                         Morre General.



        13     INT. HOSPITAL / LAVATÓRIO - DIA                         13

               Detalhe mão de Zubiaurre. Sai da água com uma esponja
               ensaboada. Pan acompanha seus movimentos enquanto ela dá
               banho em Netto. Ele está imerso em uma tina com água
               tépida. Pan chega até C.up dela, depois segue seu olhar até
               o rosto de Netto. Ele tem os olhos fechados, adormecido.

                                   NETTO
                         Quem é esse médico?

                                   ZUBIAURRE
                         É o tenente-coronel Philip Blood.

                                   NETTO
                         As mãos dele cheiram a mijo.

               Zubiaurre ensaboa a nuca de Netto. A pan segue a mão que
               desce pelo ombro, pelo peito, e volta a submergir em
               direção ao ventre do General. A esponja emerje solta da mão
               que a segurava. A pan corrige até o rosto de Netto. Sempre
               de olhos fechados, Netto relaxa e se entrega.



        14     EXT. PIEDRA SOLA - DIA                                  14

               Primeiro Plano da Maria. Ela está tensa e angustiada. Netto
               se aproxima e a beija na boca longamente. É um beijo brutal
               -um beijo de despedida.

               Duas meninas, 3 e 5 anos, abraçam-se às pernas de Netto.

                                   MENINA 1
                         Papá! Papá! Mamá!

                                   MENINA 2
                         Un beso, un beso, un beso!

               Netto ergue as duas crianças, uma em cada braço. À
               distância, atrás de Netto, estão o Capataz e Caldeira,
               montados e preparados para viagem.

               Netto larga as crianças e se dirige em direção aos dois
               homens.Monta no cavalo, toca no chapéu saudando a Maria e
               os três se afastam a trote.



        15     INT. HOSPITAL / QUARTO - DIA                            15

               A luz da manhã inunda o quarto. Três camas ocupadas, por
               Netto, Ramírez e o Capitão De Los Santos. A enfermeira Lisa
               troca curativos nas pernas de De Los Santos. A enfermeira
               Zubiaurre faz a barba em Netto.

                                   DE LOS SANTOS
                         A receita é simples, irmãzinha.
                         Basta uma lebre, uma garrafa de
                         vinho e um pouco de imaginação. A
                         imaginação consta do seguinte:
                         duas  colheres de sopa de
                         vinagre, um molho de salsa,
                         azeite, cravo e noz moscada, sal
                         e pimenta do reino. Ah, sim, e
                         uma cebola picadinha.
                         (começa a enrolar os bigodes)
                         Lave, limpe e corte a lebre em
                         pedaços, e depois a leve ao fogo
                         numa panela com água e o vinho
                         tinto. Faça um refogado com
                         azeite, sal, cebola e pimenta do
                         reino, mais vinagre e água.
                         Quando o refogado estiver pronto,
                         junte-o com a lebre, que já deve
                         estar cozida, misture bem, deixe
                         mais um pouco no fogo e depois
                         sirva.



        16     INT. HOSPITAL / CORREDOR - DIA                          16

               O cirugião Philip, visto pelas costas, aproxima-se da porta
               do quarto, mas detém-se ao ouvir a voz do Capitão De Los
               Santos.

                                   DE LOS SANTOS(OFF)
                         Com todo o respeito, irmã
                         Zubiaurre, a garantia é de cinco
                         horas. Cinco horas com o membro
                         ereto e firme, como uma sentinela
                         do 2o. Corpo montando guarda.



        17     INT. HOSPITAL / QUARTO - DIA                            17

               De los Santos ri, Lisa aperta os curativos, Zubiaurre faz a
               barba em Netto.

                                   DE LOS SANTOS
                         Não estou querendo me exibir,
                         irmãzinha, é uma experiência
                         científica. Qualquer cristão pode
                         experimentar. Até o Tenente
                         Coronel Philip M. Blood. Claro
                         que a receita não garante
                         aumentar o tamanho do membro do
                         Coronel, porque isso é coisa que
                         vai contra a vontade do Criador.

               O Capitão De Los Santos dá outra gargalhada, mas cala-se ao
               ver Philip na porta do quarto. Philip aproxima-se da cama
               de Netto.

                                   PHILIP
                         Bom dia, bom dia! Meu General,
                         como vai o senhor? Passou bem a
                         noite? Está melhor da febre?
                         Vamos ver como está essa perna.
                         Foi um ferimento feio.
                             (Para Zubiaurre)
                         Prepare o general para um exame
                         no meu consultório.

               O cirurgião dirige-se a Ramírez, o qual está sempre de
               costas.

                                   PHILIP
                         Ah, o bravo Ramirez dorme. Esse
                         homem é um herói. Desmontou com
                         as próprias mãos um canhão
                         paraguaio.
                             (apoia-se na guarda da
                              cama de De los Santos)
                         E para o senhor, Capitão De Los
                         Santos, boas notícias. Amanhã
                         vamos fazer nossa pequena 
                         cirurgia.

               Netto e Zubiaurre se olham.

               O Major Ramírez busca o olhar de De Los Santos e sorri.



        18     INT. HOSPITAL / CONSULTÓRIO - NOITE                     18

               Plano de meio conjunto, com a ferida na perna de Netto em
               primeiro plano e Philip agachado por trás dela, examinando
               a carne infeccionada. Netto está nu, deitado de lado sobre
               uma fria mesa de exame. Concentrado, Philip não usa luvas
               nem máscara, apenas pequenos instrumentos de metal
               cortante.

                                   PHILIP
                         A morfina é um requinte que
                         guardo apenas para os oficiais,
                         General Netto. Por isso o senhor
                         não sente nada. A febre não baixa
                         porque a infecção está forte.

               Philip encerra o exame e ergue-se.

               Plano Conjunto do consultório, onde além de Philip e Netto
               encontra-se também a enfermeira Zubiaurre, do outro lado da
               mesa de exame. Philip vai até o balcão e lava as mãos com
               água de uma bacia, sacode-as e seca no avental sujo.
               Enquanto isso, Zubiaurre faz um novo curativo na perna de
               Netto.

                                   PHILIP
                         Não somos feitos de aço, meu
                         caro, nem mesmo os generais
                         brasileiros. A carne se desfaz
                         por muito pouco.

                                   NETTO
                         Eu sei.

                                   PHILIP
                         Não duvido, general.

                                   NETTO
                         A guerra não é uma coisa bonita,
                         doutor.

                                   PHILIP
                         Concordo com o senhor. A guerra
                         ofende meus princípios estéticos.
                         A dor, General Netto. Essa é a
                         verdadeira beleza da guerra.

               Primeiro plano de Netto.

                                   PHILIP (OFF)
                         E o senhor, General, é um de seus
                         mestres.



        19     EXT. TUIUTY - NOITE                                     19

               Panorâmica sobre prisioneiros paraguaios.

               Estão na margem da lagoa, num cercado de bambu, feridos e
               esfarrapados, amarrados uns aos outros por cordas feitas de
               cipós.

               Cartão: Tuiuty, Paraguai - Cinco dias antes

                                   NETTO (OFF)
                         Vender prisioneiros como escravos
                         é uma indignidade, General
                         Osório. Mas esta não é uma guerra
                         como as outras.

                                   OSÓRIO (OFF)
                         Sob o meu comando ninguém vende
                         prisioneiros.

               A panorâmica passa pelos prisioneiros e prossegue até onde
               estão Netto e Osório.

                                   NETTO (OFF)
                         General, não se pode fiscalizar
                         tudo que acontece nos exércitos
                         de três países.Três comandos
                         diferentes. Três propostas
                         diferentes.

                                   OSÓRIO
                         Quatro, General Netto.

                                   NETTO
                         Quatro?

                                   OSÓRIO
                         Brasil, Argentina, Uruguai. O seu
                         exército é o quarto.A Brigada
                         Ligeira.



        20     EXT. CAMPO - DIA                                        20

               P.Próx. da bandeira tricolor da República Rio-grandense.

               P.Conj. da Brigada Ligeira.

               A galope, com a bandeira desfraldada. Na linha de frente,
               vêm Netto, Teixeira, Joaquim e Caldeira. Logo atrás vêm
               Milonga e o pelotão de lanceiros negros, mais O Capataz, o
               Violeiro, Calengo e João Antônio.

               C.up Netto. Acompanha o avanço dele à frente da Brigada.



        21     EXT. TUIUTY - NOITE                                     21

               De volta a Netto e Osório às margens da lagoa.

                                   NETTO
                         Muitos anos atrás eu tive a
                         ilusão de que era invencível. Que
                         tinha o direito e a justiça do
                         meu lado e que por isso era
                         invencível. Isso me dava o
                         direito de ter um exército. Hoje
                         isso não me alegra.

                                   OSÓRIO
                         Quando nos conhecemos, eu era
                         alferes de cavalaria de um
                         exército invasor.

                                   NETTO
                         Eu era tenente.

                                   OSÓRIO
                         Estou cheio de esperanças amargas
                         meu amigo.

                                   NETTO
                         Esperanças amargas. Sempre a
                         cultivar paradoxos, Osório.

                                   OSÓRIO
                         Espero que o fim desta guerra
                         contra Solano Lopes traga um novo
                         perfil para o Brasil. Espero que
                         a escravidão termine. Espero...

               Ouve-se um leve rumor de água agitada. Netto firma os
               olhos. Pouco a pouco surge uma canoa conduzida por um homem
               coberto por uma capa negra com capuz que lhe cobre o rosto.
               O homem impulsiona a canoa com uma vara comprida, seguro do
               rumo, sem pressa.

                                   NETTO
                         Caronte. Per me si va nella cità
                         dolente, per me si va nell'eterno
                         dolore.

                                   OSÓRIO
                         Deixai toda esperança, vós que
                         entrais.

                                   NETTO
                         Dante. Ainda tenho o volume que
                         vosmecê me deu. Serviu para
                         aprender o italiano. As noites de
                         inverno são compridas em Piedra
                         Sola.

               A canoa entra num juncal ali perto e desaparece.

                                   OSÓRIO
                         Convoquei uma reunião dos
                         oficiais para esta noite. Se
                         houver combate amanhã, vosmecê
                         terá uma missão diferente. Amanhã
                         a Brigada Ligeira fica na
                         retaguarda.

                                   NETTO
                         Na retaguarda?

                                   OSÓRIO
                         Acredito que Solano Lopes vai nos
                         preparar uma surpresa. Precisamos
                         defender nossa cavalhada. Os
                         cavalos são nosso maior trunfo.A
                         Brigada fica na retaguarda para
                         proteger o curral.

                                   NETTO
                         Ele está numa fortaleza. Por que
                         iria nos atacar?

                                   OSÓRIO
                         Não tenho razões. Só intuição.

                                   NETTO
                         Oigaletê!

                                   OSÓRIO
                         Intuição é sempre melhor que toda
                         essa conversa fiada sobre tática
                         e estratégia. Um certo General
                         Netto me ensinou isso.

               Netto ri mas torna-se alerta. Algo bate entre os juncos da
               margem, provocando um som, que não era o dos sapos nem dos
               insetos. Procuram a causa do ruído. Encontram o cadáver de
               um soldado paraguaio, comido pelos peixes. Está preso entre
               os juncos. As dragonas douradas flutuam sobre a água
               escura.

                                   NETTO (OFF)
                         Era atrás dele que Caronte
                         andava.



        22     INT. HOSPITAL / CORREDOR - NOITE                        22

               A enfermeira Lisa caminha pelo corredor até entrar pela
               porta da Sala das Enfermeiras.



        23     INT. HOSPITAL / SALA DAS ENFERMEIRAS - NOITE            23

               Zubiaurre joga um solitário de baralho sentada numa cadeira
               frente à mesa. Lisa entra. Tira o vestido e veste o
               uniforme que está pendurado em um gancho na parede.

                                   ZUBIAURRE
                         Por que essa cara?

                                   LISA
                         É agora.

               Lisa sai.



        24     INT. HOSPITAL / SALA DE CIRURGIA - NOITE                24

               Philip veste-se para cirurgia.

               Avental, luvas, máscara e os óculos de grau.

               Lisa alinha os instrumentos sobre uma mesa auxiliar.

               De Los Santos jaz anestesiado sobre a mesa, coberto por um
               lençol até o meio das coxas. As pernas nuas estão cobertas
               por curativos imundos de puz e sangue.

                                   PHILIP
                         A lamina grande, senhorita.

               Ela alcança a faca a Philip.

               Ele prepara-se para fazer a incisão na perna do paciente.

               Aproxima do rosto de Philip, até C.up.

               Ele amputa as pernas de De Los Santos.



        25     INT. HOSPITAL / SALA DAS ENFERMEIRAS - NOITE            25

               Zubiaurre dorme sobre um banco, enrolada num poncho de lã.
               Lisa entra em silêncio. Abre uma porta no armário e retira
               uma garrafa de aguardente. Toma um longo gole no gargalo.

               Primeiro plano de Zubiaurre. Abre os olhos. Fica quieta,
               sem se mover.

               Lisa vai até um fogareiro e o acende. Ela tem os braços, o
               o rosto e os cabelos sujos de sangue. Começa a tirar a
               roupa com desespero.



        26     INT. HOSPITAL / QUARTO - DIA                            26

               O Capitão De Los Santos abre os olhos, despertando da
               letargia imposta pelos soníferos. Vira para um lado,
               encontra o olhar do Major Ramírez, desvia do olhar, busca
               Netto, mas este cochila.	O Capitão De Los Santos suspira,
               coça o peito, baixa o olhar, examina as pernas e pouco a
               pouco seu rosto vai se enchendo de pavor. Sua mão busca,
               tateia, mas não encontra nada. O Capitão De Los Santos
               senta na cama, trêmulo, não acreditando no que vê e súbito
               começa a gritar.

               Ramírez ri. Netto desperta assustado. O Capitão De Los
               Santos entra num desespero cada vez maior, seus gritos
               aumentam, Netto sai da cama e agarra o Capitão.

                                   NETTO
                         Calma, calma, Capitão.

                                   DE LOS SANTOS
                         General, ele fez isso de
                         propósito.

               Zubiaurre e a enfermeira Laura entram no quarto correndo,
               com ar de determinação e ajudam Netto a segurar o Capitão
               De Los Santos, que dá pulos e soluça e grita completamente
               desesperado. Ramírez ri.

                                   DE LOS SANTOS
                         General, ele amputou as minhas
                         duas pernas! As duas, General!
                         E ele fez isso de propósito! De
                         propósito!

               Zubiaurre aplica uma injeção em De Los Santos que vai
               diminuindo os movimentos convulsos.

               De Los Santos se debate até ser vencido pela droga (slow).

               Philip espia na porta do quarto.

               Netto apanha a cabeça de De Los Santos com pena e horror.
               Vê Philip apreciar a cena. O olhar de Netto e o dele se
               encontram.

               Philip sai e fecha a porta.



        27     INT. HOSPITAL / QUARTO – DIA                            27

               Detalhe mão de Zubiaurre escreve.

               Netto dita para Zubiaurre uma carta a Maria. Ramírez e De
               los Santos dormem.

                                   NETTO
                         Maria, estou feliz de poder
                         responder à tua carta, que recebi
                         quando ainda estava no Paraguai,
                         na frente de combate.. É bom
                         saber que as meninas estão com
                         saúde. Não te preocupes por mim.
                         Estou bem. Hoje recebi um bilhete
                         do teu amigo, Mr. Thorton, o
                         embaixador da Inglaterra,
                         desejando que eu  me restabeleça.
                         Os ingleses são muito gentis... O
                         embaixador aproveita para lembrar
                         que foi quem nos apresentou,
                         aquela noite, na varanda de tua
                         casa, em Paissandu...



        28     EXT. CASA DE MARIA / VARANDA - DIA                      28

               Netto, Maria e o Embaixador Inglês conversam.

                                   MARIA
                         Tenho ouvido falar no senhor,
                         general.

                                   NETTO
                         Coisas boas, espero, senhorita.

                                   MARIA
                         Coisas incomuns, eu diria.

                                   EMBAIXADOR
                         A propósito, general, se não for
                         inconveniente, o senhor poderia
                         me esclarecer uma pequena dúvida?

                                   NETTO
                         Pois não.

                                   EMBAIXADOR
                         O senhor é brasileiro ou
                         riograndense? Uruguaio ou
                         argentino? Blanco ou colorado?

                                   NETTO
                         Eu sou um general, Mr. Thorton.

                                   MARIA
                         Um general que tem seu próprio
                         exército.

                                   EMBAIXADOR
                         Realmente, isso é uma
                         particularidade muito
                         interessante, general.

                                   MARIA
                         Uma particularidade que com
                         certeza não escapou à Sua
                         Majestade Britânica.

                                   EMBAIXADOR
                         Confesso que não escapou,
                         senhorita Maria. Se tivese
                         escapado certamente eu não seria
                         um bom súdito.

                                   NETTO
                         Tenho certeza que o senhor é um
                         bom súdito, Mr. Thorton.

                                   MARIA
                         O senhor tem algo contra alguém
                         ser súdito de alguém, general?

                                   NETTO
                         Absolutamente, senhorita Maria.
                         Apenas contra o fato de eu ser
                         súdito de alguém.

                                   EMBAIXADOR
                         O senhor naturalmente não é
                         monarquista, Mr. Netto.

                                   NETTO
                         Naturalmente.Se tivesse que
                         escolher um rei, Mr. Torthon,
                         escolheria a mim mesmo.

                                   EMABAIXADOR
                         O senhor diz isso talvez porque
                         não saiba que os reis sãos
                         escolhidos por Deus, Mr. Netto.

                                   NETTO
                         Na minha última entrevista com
                         ele não tocamos nesse assunto.

                                   EMBAIXADOR
                         O senhor tem um senso de humor
                         muito particular.

                                   NETTO
                         Gracias.

                                   EMBAIXADOR
                         O senhor é republicano. Permita
                         lembrá-lo que há uma diferença,
                         que não é sutil, entre um
                         mandatário ser escolhido pelo
                         populacho e ser ungido pelo
                         nascimento, o que é o mesmo que
                         ser escolhido pela vontade
                         divina. Por isso a monarquia é
                         insubstituível.

                                   NETTO
                         Mr. Thorton, eu desejo uma forma
                         de democracia que não necessite
                         de imperadores nem de reis. E nem
                         de rainhas.

                                   MARIA
                         E naturalmente, nem de caudilhos.

                                   NETTO
                         Naturalmente.Caudilhos são uma
                         excrescência.

                                   EMBAIXADOR
                         Caudilhos são coisa do passado.
                         Mas há algo que eu admiro nos
                         caudilhos, Mr. Netto: o instinto
                         aristocrático.



        29     INT. HOSPITAL / QUARTO - DIA                            29

               O devaneio de Netto e o ditado da carta são interrompidos
               pelos gemidos de De los Santos, que sonha e grita.

                                   DE LOS SANTOS
                         General! O carnicero quer roubar
                         minha estância e quer cortar
                         minhas pernas para vender.
                         Ele quer roubar meus cavalos!Quer
                         roubar minha mulher Colomba e
                         meus filhos Pedro e Aristarco!
                         General!General!

               Zubiaurre larga pena e papel e vai até De los Santos. Entra
               Philip com a enfermeira Lisa. Ela aplica uma injeção em De
               los Santos, que se acalma.

                                   NETTO
                             (para Philip)
                         Como está o Capitão De Los
                         Santos, doutor?

                                   PHILIP
                         Sob controle. Não se agite, que
                         agrava a infecção, general.

               Sente dores?

                                   NETTO
                         Não.

                                   PHILIP
                         Senhorita, aplique no General uma
                         dose para a noite.

                                   NETTO
                         Chega de morfina. Já não sinto
                         mais dor.

                                   PHILIP
                         No hospital está sob meu comando,
                         General.

                                   NETTO
                         Não precisa me lembrar disso,
                         doutor.

                                   PHILIP
                         Se deseja manter sua perna deve
                         fazer como eu digo.

                                   NETTO
                         Não funcionou para o Capitão De
                         Los Santos.

                                   PHILIP
                         A gangrena tomou conta das pernas
                         do Capitão. Amputar foi a única
                         saída. Acredito que não é o seu
                         caso.

                                   NETTO
                         Isso me tranquiliza.

                                   PHILIP
                         Agora tome sua injeção e durma
                         tranquilo. Se não, a dor volta no
                         meio da noite, General. Os
                         gemidos de um General podem
                         abater o moral das tropas. Não
                         queremos isso, queremos?



        30     INT. ESTÚDIO - NOITE                                    30

               C.up Embaixador Inglês.

                                   EMBAIXADOR
                         Caudilhos são coisa do passado.
                         Mas uma coisa eu admiro nos
                         caudilhos, Mr. Netto:o instinto
                         aristocrático.



        31     EXT. ESTÂNCIA DE MARIA / VARANDA - DIA                  31

               Netto e Maria estão na varanda da casa, na mesma tarde em
               que o embaixador os apresentou. Netto tem um charuto na
               mão, ainda não aceso.

                                   MARIA
                         Eu amo cavalos.

                                   NETTO
                         Mais do que gente?

                                   MARIA
                         Mais do que gente, não. Mas,
                         depois de gente, o que mais eu
                         amo são cavalos.

                                   NETTO
                         Por que?

                                   MARIA
                         São nobres. E são tão bonitos.
                         Gosto de ver os cavalos nas
                         paradas, tão fortes, tão
                         garbosos. E gosto de ver os
                         cavalos no Prado, longos,
                         elegantes. E gosto de vê-los no
                         campo, livres, tranqüilos. Os
                         cavalos me descansam.

                                   NETTO
                         É uma visão romântica.

                                   MARIA
                         Romântica?

                                   NETTO
                         Quem conhece cavalos sabe que são
                         animais trapaceiros e egoístas.

                                   MARIA
                         O senhor está com um humor
                         terrível.

                                   NETTO
                         Eu conheço cavalos. Meu negócio
                         são cavalos.

                                   MARIA
                         O senhor ficou mal humorado
                         quando o embaixador disse que
                         caudilhos tem o instinto
                         aristocrático.

                                   NETTO
                         O embaixador foi certeiro, mas
                         ele me deixou mal humorado quando
                         eu perguntei a ele se ele gostava
                         de cavalos.

                                   MARIA
                         E ele gostava?

                                   NETTO
                         Disse que não. Mas apreciava
                         corrida de lebres.
                             (Maria dá uma risada
                              sonora.)
                             INT – HOSPITAL(QUARTO) -
                              NOITE
                         Netto acorda banhado em suor.
                         Senta-se na cama. Na cama ao
                         lado, Ramirez dorme. A cama de De
                         Los Santos está vazia.

                                   NETTO
                         Ramírez, Ramírez.

               Ramirez apenas se remexe na cama.

                                   NETTO
                         Ramírez. Ramírez.

                                   RAMÍREZ
                             (sem se mover)
                         Hmmm.

                                   NETTO
                         Levaram o Capitão De Los Santos.

                                   RAMÍREZ
                         Mmmm.

                                   NETTO
                         Levaram o Capitão De Los Santos,
                         entendeu? Alguém entrou aqui
                         enquanto a gente dormia e levou o
                         Capitão De Los Santos.

               Ramírez torna a se remexer.

                                   NETTO
                         Ramírez, Ramirez! Ramírez!
                         Ramirez, cabron hijo duma puta!

               Ramírez se vira e encara Netto. Ramirez tem um parche negro
               no olho e uma enorme cicatriz dividindo o rosto de alto a
               baixo.

                                   RAMÍREZ
                         Que passa?

                                   NETTO
                         Levaram o Capitão De Los Santos.

                                   RAMÍREZ
                         Levaram o Capitão De Los Santos?

                                   NETTO
                         Não está vendo a cama vazia?
                         Levaram enquanto a gente dormia.

                                   RAMÍREZ
                         Não me importa um puto se levaram
                         ou não levaram o Capitão De Los
                         Santos.

                                   NETTO
                         O que está dizendo, homem?

                                   RAMÍREZ
                         Ele não servia para mais nada
                         mesmo. Só ia ficar tirando espaço
                         dos outros. Foi até bom que ele
                         morresse.

                                   NETTO
                         Morresse? Quem disse que ele
                         morreu?

               Os dois homens ficam se encarando. Ramírez dá as costas a
               Netto, puxa o lençol para a cabeça e volta a dormir.

               Netto observa Ramirez.

               PV Netto. Ramirez dorme, de costas para ele.

               Pan percorre o quarto, seguindo o olhar de Netto na direção
               da cama onde costumava estar De Los Santos. Mas antes que
               chegue até lá, surge uma sombra por trás do mosquiteiro.

               É Caldeira (60 anos), que está parado de pé ao lado da cama
               de Netto.

               Netto surpreende-se.

                                   NETTO
                         Sargento Caldeira! Vosmecê pôr
                         aqui!

                                   CALDEIRA
                         De passagem no más, general.

                                   NETTO
                         Como entrou a esta hora?

                                   CALDEIRA
                         Eu tenho o passo leve.

                                   NETTO
                         É um prazer lhe ver por aqui,
                         Sargento.  Ninguém me visita
                         neste depósito de infelizes.

                                   CALDEIRA
                         Ninguém tem tempo para visitas,
                         General. A guerra está braba.

                                   NETTO
                         Eu sei, eu sei, não quis me
                         queixar. Foi só um comentário.
                         Sente no más.

               Caldeira tira a capa. Está vestindo a gasta blusa vermelha
               do Corpo de Lanceiros Negros. Na cintura carrega uma
               pistola. Ele puxa uma cadeira e senta ao lado da cama.

                                   CALDEIRA
                         Como está a febre, General?

                                   NETTO
                         Não passa. Não fica bem para um
                         homem estar aí batendo os dentes
                         todo o tempo, não é mesmo,
                         Sargento?

                                   CALDEIRA
                         Não. Não fica bem, General.

                                   NETTO
                         Como está a Brigada, Sargento
                         Caldeira?

                                   CALDEIRA
                         O moral está bom. Essa guerra é
                         que não é boa.

                                   NETTO
                         Não é como foi a nossa guerra.

                                   CALDEIRA
                         Não, não é.

                                   NETTO
                         Nós lutávamos por idéias. Esta
                         guerra trás mercenários de toda
                         parte, pagos a peso de ouro.
                         Agora se luta por ouro,
                         sargento... Não fizemos feio em
                         Tuyuty, Sargento. Fizemos?

                                   CALDEIRA
                         Não, General.



        32     EXT. TUYUTI / CURRAL - DIA                              32

               Netto, Caldeira, o Capataz e mais dois lanceiros estão
               entrincheirados no Curral, tiroteando com uma tropa
               paraguaia. Atrás deles, os cavalos estão agitados com os
               tiros.



        33     INT. HOSPITAL / QUARTO - NOITE                          33

               Netto e Caldeira conversam.

                                   NETTO
                         Defendemos o curral como Osório
                         ordenou. Não perdemos nem um
                         cavalo sequer. Osório tinha razão
                         quando disse que Solano López ia
                         tomar a iniciativa.

                                   CALDEIRA
                         Foi uma parada dura. Ficamos
                         entre dois fogos.

                                   NETTO
                         Não, não fizemos feio.

                                   CALDEIRA
                             (toca no bolso da
                              túnica)
                         General, recebi uma carta do
                         conselheiro Domingos de Almeida.

                                   NETTO
                         Uma carta do Domingos.

                                   CALDEIRA
                         Ele conta que recebeu notícias do
                         Capitão Garibaldi.

                                   NETTO
                         Então o corsário ainda está vivo.

                                   CALDEIRA
                         Bem vivo. Mandou ao conselheiro
                         Domingos uma carta da Itália.
                         Parece que hoje é General.
                         General ou coisa ainda maior. Mas
                         não esqueceu da gente. Pergunta
                         pelos companheiros da revolução
                         de 35.

                                   NETTO
                         A nossa revolução de 1835... Já
                         passou tanto tempo assim,
                         Sargento?

                                   CALDEIRA
                         Uns trinta anos, General.



        34     EXT. GUAÍBA - NOITE                                     34

               A luz de um lampião brilha no meio do rio. Um barco com
               guardas do Império está fazendo a ronda. Um dos guardas
               segura o lampião.

               Cartão: Rio Grande do Sul, Brasil

               Trinta anos antes

               Na margem, quatro homens se escondem atrás de uma canoa:
               Netto, Garibaldi, Caldeira e o Canoeiro.

                                   GARIBALDI
                         Não façam ruido. Há patrulhas do
                         Império por toda parte.

               Todos entram na canoa, Netto é o último. Ele empurra a
               canoa e salta para dentro (essa marcação dos movimentos de
               Netto se repete exatamente igual na sequência final do
               filme). A canoa começa a se afastar.

               Plano próximo de Garibaldi. Sentado no fundo da canoa, ele
               observa Netto. Garibaldi faz um gesto. Os remos se
               imobilizam.

                                   GARIBALDI
                         A patrulha.

               Uma luz brilha. É o barco com os quatro soldados do
               Império. Um deles empunha o lampião. A canoa começa a vagar
               à deriva, com os três homens estirados no fundo dela,
               incômodos, os rostos encostados na madeira úmida, mal
               humorados, em silêncio. Netto sente o rosto de Garibaldi
               muito próximo do seu.

                                   GARIBALDI
                         Tenho inveja do senhor, General.
                         Quantos homens no mundo tiveram o
                         privilégio de proclamar uma
                         República? Muito poucos.
                         Veramente, muito poucos. O senhor
                         é um assinalado.
                         Tenho inveja do senhor, General.
                         Eu conheci alguns generais na
                         minha terra e em outras terras
                         também. Conheci generais
                         italianos e generais franceses.
                         Conheci os generais dos mouros.
                         Nenhum deles proclamou uma
                         República. Nenhum.
                         E, no entanto, como eram
                         orgulhosos aqueles generais. Como
                         eram vaidosos. Um general
                         francês, um general italiano, um
                         general mouro iria empurrar uma
                         canoa com três companheiros
                         dentro?
                         Dio! Entrariam primeiro,
                         sentariam no melhor lugar e que
                         um subordinado molhasse os pés na
                         água fria.

                                   NETTO
                         Capitão Garibaldi, por favor,
                         cale essa boca ou jogo o senhor
                         no rio.



        35     INT. HOSPITAL / QUARTO - NOITE                          35

               Netto e Caldeira conversam.

                                   CALDEIRA
                         Neste papel o conselheiro
                         Domingos copiou partes da carta
                         de Garibaldi.

                                   NETTO
                         Leia no más.

                                   CALDEIRA
                         Escute. É dele, do Capitão
                         Garibaldi:
                         Eu vi batalhas mais disputadas,
                         mas nunca vi em nenhuma parte
                         homens mais valentes nem
                         cavaleiros mais brilhantes que os
                         da cavalaria Rio-grandense, em
                         cujas fileiras comecei a
                         desprezar o perigo e combater
                         dignamente pela causa sagrada das
                         gentes.

                                   NETTO
                         O corsário continua sedutor.

                                   CALDEIRA
                         Tem mais: "Onde estão agora esses
                         belicosos filhos do Continente,
                         tão majestosamente terríveis nos
                         combates? Onde Bento Gonçalves,
                         Netto, Canabarro, Teixeira e
                         tantos valorosos que não lembro?
                         Quando penso no Rio Grande, nessa
                         bela província onde fui
                         considerado como filho, quando
                         lembro das campanhas pela
                         liberdade entre seus concidadãos,
                         sinto-me verdadeiramente
                         comovido. Este passado da minha
                         vida se imprime na minha memória
                         como alguma coisa de
                         sobrenatural, de mágico, de
                         verdadeiramente romântico".

                                   NETTO
                         Romântico? Mas bá! Éramos
                         românticos, Sargento Caldeira?

                                   CALDEIRA
                         O senhor me disse que tudo que
                         tem importância na vida são fatos
                         políticos, General.

                                   NETTO
                         Eu disse isso, Sargento?

                                   CALDEIRA
                         Na primeira vez que nos
                         encontramos, General.

                                   NETTO
                         Naquele tempo eu era ligeiro de
                         casco.

                                   CALDEIRA
                         Eu acreditei no que o senhor me
                         disse.

                                   NETTO
                         Acha que eu lhe menti, Sargento?

                                   CALDEIRA
                         Não, General. Na minha pobreza,
                         eu precisava acreditar em alguma
                         coisa. Em qualquer coisa. Pra bem
                         ou pra mal, passei a vida toda
                         atrás dum fato político.

                                   NETTO
                         Um fato político... Que horas
                         são, Sargento?

                                   CALDEIRA
                         É madrugada, General.

                                   NETTO
                         Como vosmecê entrou aqui,
                         Sargento?

                                   CALDEIRA
                         Tenho o passo leve, General.

                                   NETTO
                         Sargento Caldeira, o senhor não
                         acha que um médico tem a
                         obrigação de lavar as mãos?

                                   CALDEIRA
                         Acho, general.

                                   NETTO
                             (atrai o Sargento para
                              si)
                         Sargento Caldeira... eis um fato
                         político:  preciso matar um
                         homem.



        36     EXT. CAMPO – NOITE                                      36

               Planos próximos de animais. Coruja. Jaguar. Etc.



        37     EXT. CAMPO – AMANHECER                                  37

               Planos próximos de animais. Jaguar. Jacaré. Quero-quero.
               Capincho. Etc. Clareia o dia.



        38     EXT. CAMPO - DIA                                        38

               Primeiro plano de botas pisando o chão.

               Diversos planos mostram Netto e Teixeira caminhando pela
               vastidão do pampa.

               Cartão: Rio Grande do Sul, Brasil

               Trinta anos antes

               Observam os campos verdes e planos que se estendem na sua
               frente, tomados pela luz do amanhecer.

                                   TEIXEIRA
                         Coronel Netto, me perdoe a
                         franqueza, mas está com uma cara
                         de emburrado que dá medo.

                                   NETTO
                         Precisamos de cavalos.

                                   TEIXEIRA
                         Claro que precisamos de cavalos.

               Netto apressa o passo. Teixeira emparelha com ele.

                                   TEIXEIRA
                         Torne útil esta caminhada,
                         Coronel. Medite sobre o quanto é
                         duro ser soldado da infantaria. A
                         inveja que nos olham quando
                         passamos todos elegantes em
                         nossos cavalos bem aperados.

                                   NETTO
                         Capitão Teixeira, a elegância é
                         uma arma da cavalaria.



        39     EXT. FAZENDOLA – DIA                                    39

               PV Teixeira. Plano próximo em teleobjetiva da cabeça de um
               cavalo. O animal move-se ao trote pelo curral. Pan
               acompanha. Junto a ele estão outro cavalos.



        40     EXT. CAMPO – DIA                                        40

               Primeiro plano de Teixeira. Olha por uma luneta retrátil.
               Baixa a luneta. Passa-a para Netto. Pan corrige até
               primeiro plano de Netto. Posiciona a luneta frente ao olho.



        41     EXT. FAZENDOLA – DIA                                    41

               Netto e Teixeira cruzam a porteira da Fazendola. De um lado
               o curral com cavalos, do outro a velha casa. Cães latem. A
               porta da casa se abre e Maria Luiza aparece apontando uma
               espingarda para Netto e Teixeira.

                                   MARIA LUIZA
                         Parado ai.

               Netto e Teixeira erguem as mãos.

                                   NETTO
                         Somos de paz.

                                   TEIXEIRA
                         Nos perdemos de nossos
                         companheiros, minha senhora. Tudo
                         que queremos é comprar dois
                         cavalos pra seguir viagem.

                                   MARIA LUIZA
                         Perderam-se de quem?

                                   TEIXEIRA
                         Estamos em viagem para Porto
                         Alegre. Nos perdemos durante a
                         noite. Tudo o que queremos é um
                         par de cavalos, senhora. Pagamos
                         bem. Temos dinheiro.

                                   MARIA LUIZA
                         Perderam-se de quem?

                                   TEIXEIRA
                         Estamos vindo de Bagé. Queremos
                         ir até Porto Alegre comprar uma
                         tropilha.

                                   MARIA LUIZA
                         Republicanos ou caramurus?

                                   NETTO
                         Somos rio-grandenses, minha
                         senhora.

                                   MARIA LUIZA
                         Têm muito tipo de rio-grandense,
                         e muitos deles não valem o que
                         comem.

                                   NETTO
                         Somos  republicanos. Não nos
                         importa sua grei, minha senhora.
                         Não lutamos contra mulheres.
                         Estamos num apuro. Precisamos de
                         cavalos para buscar nossos
                         companheiros. Pagamos bem.

                                   MARIA LUIZA
                         O exército republicano está
                         longe.

                                   TEIXEIRA
                         Sabemos que está longe, minha
                         senhora. Somos oficiais
                         republicanos numa missão difícil.
                         Atravessamos o rio e acostamos
                         longe do ponto que pretendíamos.
                         Tudo que queremos são dois
                         cavalos. Partiremos
                         imediatamente.

                                   MARIA LUIZA
                         Não temos cavalos.

                                   TEIXEIRA
                         São pontos de vista, minha
                         senhora.

                                   MARIA LUIZA
                         Preciso dos cavalos para o
                         trabalho na estância.

                                   TEIXEIRA
                         Acredito na senhora, mas não vejo
                         peões que necessitem de tantos
                         cavalos. As senhoras têm uma
                         propriedade bonita, mas parece
                         que os homens estão longe.



        42     INT. FAZENDOLA / GALPÃO - DIA                           42

               A Senhora Guimarães aparece de costas, atenta à conversa lá
               fora. Ela empunha uma espingarda.



        43     EXT. FAZENDOLA – DIA                                    43

               Netto, Teixeira e Maria Luiza conversam.

                                   NETTO
                         Dois cavalos não lhe farão falta.
                         A senhora não terá prejuízo.
                         Pagaremos bem.

                                   MARIA LUIZA
                         Vou começar a contar até três.
                         Quando eu disser três, quero ver
                         vosmecês do outro lado da
                         porteira, e quero ver ela bem
                         fechada.

                                   TEIXEIRA
                         Se a senhora for republicana,
                         estará ajudando seu marido ou seu
                         pai ou seus irmãos que estão na
                         guerra. Eles aprovariam esse
                         gesto. Se a senhora for de outro
                         partido, vamos  embora. Nossa
                         luta é pela civilização, minha
                         senhora.

               A Senhora Guimarães sai do galpão para o pátio com a
               espingarda apontada para Netto e Teixeira.

                                   MARIA LUIZA
                         Um.

                                   NETTO
                             (toca na aba do chapéu)
                         Passar bem, minhas senhoras.
                         Tenham um bom dia. Dentro de três
                         dias, talvez eu tenha
                         oportunidade de entregar uma
                         mensagem para um parente de
                         vosmecês, dizer que passei por
                         aqui e que tudo estava bem.
                         Infelizmente...

                                   SENHORA GUIMARÃES
                             (para Netto)
                         Ei, oficial! Qual é sua graça?

                                   TEIXEIRA
                             (adianta-se)
                         Eu sou o Capitão Teixeira Nunes,
                         do 1o. Corpo de Lanceiros. O nome
                         de meu companheiro deve ficar
                         protegido. Mas eu posso dar todas
                         informações a meu respeito e
                         mostrar os documentos que provam
                         minha identidade.

                                   SENHORA GUIMARÃES
                         Vosmecê é dos Teixeira de
                         Piratini?

                                   TEIXEIRA
                         Precisamente, minha senhora. E
                         com muita honra. E sua família,
                         como se chama, se me permite a
                         pergunta?

                                   SENHORA GUIMARÃES
                         Guimarães.

                                   TEIXEIRA
                         Guimarães. Não será por acaso
                         parente dos Guimarães que estão
                         servindo no 2o. Corpo de
                         Cavalaria, sob as ordens do
                         Coronel Onofre Pires? Capitão
                         Luis Guimarães e seu irmão, o
                         tenente Antoninho?

                                   SENHORA GUIMARÃES
                         São meus filhos. O Luis é o mais
                         velho, casado aqui com minha
                         nora, Maria Luíza.

                                   NETTO
                         Então somos todos republicanos.

               Todos se calam por um instante.

               Pelo lado esquerdo da casa surge a ponta de uma espingarda.
               Atrás dela aparece um negrinho apontando a arma para os
               dois homens com imensa cautela, os grandes olhos
               arregalados. Todos riem. O negrinho fica sério.

                                   MARIA LUIZA
                         É Milonga.

               Netto toca na aba do chapéu, saudando o negrinho.

                                   NETTO
                         Vejo que as senhoras estão bem
                         protegidas. Nestes tempos de
                         guerra, é importante estar
                         atento. O rapaz sabe usar essa
                         arma?

                                   SENHORA GUIMARÃES
                         Mostra pro moço, Milonga.

               Milonga dá alguns passos na direção de Netto e de Teixeira.
               Aponta para um crânio de boi pendurado num moirão do
               potreiro, a uns trinta metros.

               Aparece uma mulher negra na porta do galpão. Duas crianças,
               três e cinco anos, erguem os rostinhos numa das janelas da
               casa.

               Milonga apoia a espingarda ao ombro e atira. Uma lasca
               salta da guampa direita do crânio. Faz pequena correção e
               novo disparo. Outra lasca salta da guampa esquerda.

                                   NETTO
                         Oigaletê índio bom!

               Teixeira bate palmas acompanhadas dum largo sorriso.

               As crianças riem e batem palmas.

               Milonga baixa o rifle e fica sério e compenetrado.

                                   TEIXEIRA
                         As senhoras estão realmente bem
                         protegidas com nosso amigo
                         Milonga. Parabéns.

                                   SENHORA GUIMARÃES
                         Vosmecês aceitam um amargo?
                         Enquanto isso,  podemos ir
                         falando sobre os cavalos.



        44     EXT. CAMPO – DIA                                        44

               Netto e Teixeira cavalgam pelo pampa. Longa seqüência, com
               diversos planos mostrando a extensão da paisagem.



        45     EXT. BIVAQUE - DIA                                      45

               Netto e Teixeira abivacam à sombra de uma árvore.

               Os cavalos pastam. O charque já esquenta na pequena panela
               em frente a qual Netto prepara um palheiro. Teixeira olha
               ao redor com a luneta.

                                   TEIXEIRA
                         Vem gente.

               Netto ergue-se e olha para o horizonte. Milonga vem ao
               longe, a cavalo num trote acelerado.

                                   TEIXEIRA
                         Ora, ora.

               PV Teixeira. Plano geral em tele. Milonga vem ao trote num
               dos cavalos que ficaram no curral.

               Plano médio. Travelling acompanha Milonga até que pára e
               deixa-o afastar-se na direção do bivaque de Netto e
               Teixeira. Os dois homens estão de pé.

               Plano conjunto Netto e Teixeira. Milonga chega até eles. Um
               violão bate na anca do animal.

                                   NETTO
                         A que devemos essa honra?

                                   TEIXEIRA
                         Aconteceu alguma coisa na
                         estância?

                                   MILONGA
                             (apeia do cavalo)
                         Não, senhor, não aconteceu nada.
                         Dona Maria Luíza mandou eu
                         acompanhar os senhores, para o
                         causo de se perderem.

                                   TEIXEIRA
                         Diga à dona Maria Luíza que não
                         tenha cuidado. Agradecemos muito,
                         mas somos vaqueanos destas
                         bandas. Por aqui a gente não se
                         perde.

                                   MILONGA
                         Eu conheço os atalhos como
                         ninguém, Capitão Teixeira.

                                   TEIXEIRA
                         Não duvido, meu amigo. Se achegue
                         no más. O charque é pouco mas tá
                         bueno.

                                   MILONGA
                         Lhe agradeço, mas trouxe minha
                         comida.

               Milonga se junta aos outros dois, e desfaz o embrulho que
               protege sua comida.

                                   NETTO
                             (aponta para a anca do
                              tordilho)
                         Bonita guitarra, amigo Milonga.

               Milonga sorri. Continua a comer calado.

                                   NETTO
                         Quando terminar de comer o amigo
                         vai montar nesse tordilho e
                         voltar pra estância. As senhoras
                         da casa devem estar preocupadas.
                         O amigo não me leve a mal, mas
                         acho difícil que dona Maria Luíza
                         tenha lhe mandado nos fazer
                         companhia.
                         O que me diz disso, amigo
                         Milonga? Estou enganado?

                                   MILONGA
                         Não senhor.

                                   NETTO
                         Então o que faz por aqui,
                         Milonga?

                                   MILONGA
                         Eu saí fugido lá da estância.
                             (para Teixeira)
                         Quero entrar para o Corpo de
                         Lanceiros, Capitão.

               Teixeira olha para Netto e depois para Milonga.

                                   TEIXEIRA
                         Muito bem, Milonga. Mas vosmecê
                         me parece muito novo pra ser
                         soldado. Na tua casa vão ficar
                         preocupados.

                                   MILONGA
                         Eu não tenho casa, Capitão.

                                   TEIXEIRA
                         Tua família não mora lá na
                         estância?

                                   MILONGA
                         Minha mãe mora.

                                   TEIXEIRA
                         Ela vai ficar preocupada. As
                         senhoras da casa vão ficar
                         preocupadas. Tu tem muito tempo
                         pra virar soldado e ir pra
                         guerra, Milonga. Aproveita
                         enquanto pode ficar em casa.

                                   MILONGA
                         Eu não tenho casa, Capitão.

                                   TEIXEIRA
                         Tu não é bem tratado na estância,
                         Milonga?

                                   MILONGA
                         Sou sim senhor, Capitão.

                                   TEIXEIRA
                         Então, Milonga.

                                   MILONGA
                         Lá eu sou um escravo, Capitão.

                                   TEIXEIRA
                         Tu é muito novo pra ser soldado,
                         Milonga.

                                   MILONGA
                         Não pra ser escravo, Capitão.

               Netto e Teixeira se entreolham.

                                   TEIXEIRA
                         Milonga, nós estamos fazendo esta
                         guerra porque queremos acabar não
                         só com a escravidão, mas com
                         muitas outras espécies de maldade
                         e de vergonha que existem. Quando
                         tu for maior vai ser bem-vindo ao
                         Corpo. Mas agora o melhor para ti
                         e para tua mãe é tu voltar pra
                         fazenda e ajudar as pessoas que
                         moram lá. Elas precisam de ti. Se
                         tu fizer isso por tua própria
                         vontade, tu vai te sentir livre.

               Netto aperta o braço de Milonga com certa camaradagem
               truculenta.

                                   NETTO
                         Anda guri, monta nesse cavalo e
                         volta pra estância. Quando esta
                         guerra acabar tu vai ser um homem
                         livre, Milonga.

                                   MILONGA  (LEVANTA-SE)
                         Vosmecê é o Coronel Netto.

               Netto olha para Teixeira com a expressão de e-esta-agora!

                                   MILONGA
                         Os escravos, à roda do fogo,
                         falam no Coronel Netto e no
                         Gavião.

                                   TEIXEIRA
                         Milonga...

                                   MILONGA
                         Todo negro que eu conheço quer
                         lutar ao lado do Coronel Netto e
                         do Gavião. Lá na estância quando
                         o Capitão disse que o  nome dele
                         era Teixeira eu adivinhei que ele
                         era o Gavião e vosmecê era o
                         Libertador.
                             (persigna-se)
                         Vosmecês atravessaram meu caminho
                         pela vontade de Nosso Senhor
                         Jesus Cristo.

               Netto levanta-se com o prato na mão. Teixeira pousa o prato
               no chão e também se levanta.

                                   NETTO
                         Muito bem, Milonga. Mas tu vai
                         ouvir o conselho do Capitão
                         Teixeira. Vai voltar já pra
                         estância, vai cuidar da tua mãe,
                         vai cuidar das tuas obrigações. E
                         vai esquecer que me viu andando
                         por estas bandas. Entendido?

               Milonga apanha as rédeas e concorda com a cabeça.

                                   NETTO
                         O Capitão e eu temos uma missão.
                         E temos que seguir sós.

                                   MILONGA
                         Ninguém vai saber o nome do
                         Coronel. O nome do Coronel vai
                         ficar guardado aqui dentro.

               Milonga toca o coração. Milonga monta e sai. Teixeira senta
               se e volta a comer. Netto fica de pé um instante,
               observando Milonga afastar-se. Depois senta-se e come em
               silêncio.



        46     EXT. BIVAQUE - NOITE                                    46

               Netto acorda sobressaltado.

               Ele e Teixeira dormem sob a figueira.

               Netto senta apoiado nas mãos e olha ao redor.

               Levanta e vai até os cavalos.

               PV de alguém entre as árvores observa o bivaque e os
               movimentos de Netto.

               Netto verifica a amarração dos cavalos. Olha em torno
               novamente. Torna ao lugar onde dormia. Observa Teixeira,
               que dorme. Netto deita-se, olha ao redor, ajeita os pelegos
               e volta a dormir.



        47     EXT. BIVAQUE - AMANHECER                                47

               Netto e Teixeira despertam cercados por um bando de
               malfeitores armados.

                                   BANDOLERO 1
                         O cabajo, Don.

               Bandolero 1 sinaliza para enviarem o animal na direção
               dele.

                                   NETTO
                         Vamos ter que lutar. O rifle.

               Teixeira apanha o rifle e o engatilha.

                                   BANDOLERO 1
                         O cabajo.

                                   NETTO
                         Precisamos do cavalo.

                                   BANDOLERO 1
                         O cabajo é para um ato de caridá,
                         don. Temos um hombre ferido.

                                   NETTO
                         Sentimos muito, mas também temos
                         problemas.

                                   BANDOLERO 1
                         Dexe o cabajo no más e se vaja em
                         paz.

                                   BANDOLERO 2
                         Nuestro Señor Jesus le há de
                         recompensar, Don.

                                   TEIXEIRA
                             (escora o rifle no
                              ombro)
                         Comecem a se afastar ou vai
                         chumbo.

                                   NETTO
                         Estamos bem armados. Acho melhor
                         cada um seguir seu rumo na boa
                         paz.

                                   BANDOLERO 1
                             (sorri e olha para os
                              outros)
                         Somos de paz. Solo queremos o
                         cabajo.

                                   BANDOLERO 2
                         Es para um ato de caridá, don.

               Logo, num gesto tranqüilo, Bandoleiro 2 começa a rebolear
               boleadeiras acima da cabeça. A velocidade do movimento vai
               aumentando e pouco a pouco começa a provocar um som
               exasperante. Os outros bandoleiros começam a se mover,
               ameaçadores e esquivos. Bandoleiro 1, no centro, pousa mão
               na culatra do revólver. Bandoleiro 3 empunha uma lança, com
               uma bandeirola vermelha. Bandoleiro 4 tem um sabre
               quebrado, mas afiado e brilhante. Bandoleiro 2 aumenta o
               movimento circular das boleadeiras acima de sua cabeça.
               Afastam-se uns dos outros, aumentando o  círculo, tornando
               mais difícil a fuga. Netto e Teixeira ficam de costas, um
               defendendo a retaguarda do outro. Netto engatilha a pistola
               com a mão direita e empunha o sabre com a esquerda.

                                   NETTO
                         Não tem arreglo.

                                   TEIXEIRA
                         Vou atirar.

                                   NETTO
                         Espera. Fica de olho no da
                         pistola.

               Bandoleiro 2 atira as boleadeiras que voam na direção de
               Teixeira. Teixeira aperta o gatilho da espingarda. Atingido
               no tórax, Bandoleiro 2 cai com um grito. Teixeira cai
               maneado nas tiras de couro e nas pedras. Netto e Bandoleiro
               1 atiram instantaneamente um contra o outro. O chapéu de
               Netto voa arrancado pela bala. Bandoleiro 1 dá um salto
               para o lado, é atingido de raspão no antebraço, se
               desequilibra e cai. Mais tiros, os bandoleiros vão caindo,
               um a um. Ofegantes, pálidos, molhados de suor, espantados e
               doloridos, Netto e Teixeira vêem Milonga no alto da
               barranca com o fuzil nas mãos e o sorriso nos lábios.



        48     EXT. CACHOEIRA - DIA                                    48

               Plano de conjunto. Netto, Teixeira e Milonga passam a
               cavalo ao longo da cachoeira. Pan acompanha. Após um tempo,
               pan pára, eles saem. A cachoeira permanece em quadro.



        49     EXT. CAMPO – DIA                                        49

               Netto, Teixeira e Milonga cavalgam no pampa.

               Avistam a coluna da cavalaria de Netto em marcha.

               Os três avançam a galope até a coluna.

               Os cavalarianos reconhecem Netto e o saúdam.

                                   CAVALARIANOS
                         É o Coronel Netto!

               Viva o Coronel Netto!

               Netto, Teixeira e Milonga percorrem a galope a coluna,
               desde a retaguarda até a vanguarda. Pan acompanha.
               Travelling acompanha.

               PG da coluna.



        50     EXT. ACAMPAMENTO – NOITE                                50

               Netto conversa com seus oficiais em frente à barraca. Lá
               estão, à roda do fogo, Teixeira, João Antônio, Joaquim,
               Calengo. Também está Milonga, sentado em silêncio próximo a
               Netto. Os oficiais falam sobre a batalha que se desenha
               para a manhã seguinte, contra as forças do comandante
               monarquista Silva Tavares. Comentam a situação, preparam
               estratégias de ataque. Ouve-se ao fundo o som da batucada
               dos negros, além da música de guitarras e o som de chilenas
               retinindo no sapateado da chula.

               Caldeira aproxima-se do grupo e dirige-se a Netto.

                                   CALDEIRA
                         Às suas ordens, Coronel.

                                   NETTO
                         Sargento Caldeira, este guri veio
                         como voluntário pra se incorporar
                         ao Corpo de Lanceiros. O senhor
                         tome conta dele, providencie
                         uniforme e armamento, e lhe
                         determine uma posição na coluna.

                                   CALDEIRA
                         Sim senhor, Coronel. Vem comigo,
                         guri.

               Milonga levanta-se e aproxima-se de Caldeira.

                                   NETTO
                         Amanhã no combate me faça o favor
                         de ficar de olho nele. Se ele
                         sobreviver ao entrevero, entra
                         pra instrução com o resto da
                         tropa.

                                   CALDEIRA
                         Se sobreviver à carga de amanhã
                         já vai ter passado a primeira
                         lição, Coronel. Mais alguma
                         ordem, senhor?

                                   NETTO
                         É só, Sargento, dispensado. Ah,
                         só mais uma coisa. Cuidado nas
                         instruções de tiro, que eu acho
                         que esse negrinho tem um olho
                         meio vesgo. Duro nele, Sargento.

               Caldeira e Milonga saem.



        51     EXT. ACAMPAMENTO - NOITE                                51

               Primeiro plano de Milonga.

               Caminha pelo acampamento, guiado por Caldeira.

               Crescem a batucada e o som das guitarras.

               Observa ao redor.

               Sequência com diversas tomadas do acampamento, em planos
               próximos, muito movimento e ritmo. Quero-quero, Palometa,
               Chupim. Batucada, dança, chula, violão, aos olhos do menino
               Milonga que segue o Sargento Caldeira.

               Inserts C.up Milonga.

               Em meio ao ritual de preparação para o combate, soldados
               preparam suas armas, rezam, escrevem cartas de despedida.
               Um grupo de negros dança com suas fardas vermelhas ao redor
               da fogueira.

               O Sargento tem nas mãos a farda vermelha do 1o. Corpo de
               Lanceiros, cuidadosamente dobrada. Estende-a para Milonga.

               Milonga apanha a farda. O batuque dos lanceiros sobe.

               Milonga tira a camisa e veste a farda vermelha dos
               lanceiros. Caldeira estende-lhe então a lança. Milonga
               apanha a arma e começa a dançar ao ritmo do batuque.
               Observado por Caldeira, Milonga entra na roda em volta da
               fogueira e dança com os outros lanceiros.



        52     INT. HOSPITAL / QUARTO – NOITE                          52

               Netto e Caldeira conversam.

                                   NETTO
                         Sargento, quero sua opinião
                         sincera.

                                   CALDEIRA
                         Às ordens, General.

                                   NETTO
                         O quê vosmecê faria se o soldado
                         na cama ao lado da sua, num
                         quarto de hospital, tivesse as
                         pernas decepadas por um cirurgião
                         de meia pataca? E se de repente
                         esse soldado te encara com os
                         olhos cheios de lágrimas e diz:
                         General, ele fez isso de
                         propósito! O que vosmecê faria se
                         soubesse que esse homem disse a
                         verdade, que esse cirurgião é um
                         maldito charlatão e é um sádico e
                         que veio pra a guerra pra causar
                         dor e tormento só porque isso lhe
                         dá prazer? Sargento, eu tenho 
                         convicção de que o Capitão De Los
                         Santos recorreu a mim como
                         autoridade. Eu tenho a obrigação
                         do exercício da autoridade. E sei
                         também que ele recorreu a mim
                         como a um amigo.

               Vosmecê sabe o que vai acontecer se eu fizer uma denúncia
               contra esse médico.

                                   CALDEIRA
                         Sei, sim senhor. Não vai
                         acontecer nada, General. E talvez
                         riam de vosmecê.

                                   NETTO
                         Isso também me ocorreu, Sargento.

                                   CALDEIRA
                         Então é esse inglês cheio de
                         fricotes que vosmecê quer
                         despachar, General?

               Close de Ramirez que abre um olho.

                                   NETTO
                         Eu fiquei aqui matutando que essa
                         é a única coisa decente a fazer.
                         É uma decisão difícil.

                                   CALDEIRA
                         As vezes a gente é obrigado a
                         tomar uma decisão difícil,
                         General.Como aquela vez, no
                         Seival.



        53     EXT. CAMPO DE BATALHA – DIA                             53

               A cavalaria farroupilha aparece na crista da cochilha e vai
               lentamente tomando posição.

               Netto está a frente da tropa. Teixeira, Joaquim, Calengo e
               João Antônio comandam as colunas de cavalarianos. Caldeira
               posta-se com seu pelotão. Milonga está entre os soldados do
               pelotão de Caldeira.

               A cavalaria imperial está perfilada para entrar em
               combate.À frente os oficiais Silva Tavares, Davi Francisco
               e Caldwell.Bandeiras flanam ao vento da manhã. Os soldados
               encaram o campo de batalha à sua frente. Seguram as lanças
               firmes, pontas ao céu.

                                   NETTO
                         Vamos dar o recado para
                         eles.Tragam a tocha.

               Um soldado se aproxima e estende uma tocha para Netto, que
               a encosta na bandeira do Império, sustentada por um porta
               bandeira a seu lado. A bandeira pega fogo sob os aplausos
               dos soldados.

               Na cavalaria imperial:

                                   DAVI FRANCISCO
                         Estão queimando a bandeira do
                         Imperador.

                                   CALDWELL
                         Os anarquistas precisam de uma
                         boa lição.

                                   SILVA TAVARES
                         Eles a terão, major. Eles a
                         terão.

               Netto ordena toque de avançar. O Corneteiro executa o
               toque, que ressoa pelas coxilhas. Cavalaria avança. Netto
               saca a espada. Passa ao trote. Acelera o ritmo.
               Ergue a espada. Corneteiro troca de toque. Cavalos passam
               ao galope.

               Várias tomadas da cavalaria em movimento.

               Planos próximos dos oficiais. Milonga. Netto aponta a
               espada para a frente. Corneteiro dá o toque de carga.

               Carga da cavalaria de Netto.



        54     INT. HOSPITAL / QUARTO – NOITE                          54

               Netto e Caldeira conversam.

                                   CALDEIRA
                         Silva Tavares estava todo prosa
                         naquela manhã...

                                   NETTO
                         Ele tinha jurado que ia ficar com
                         meu cavalo.
                             (Pausa)
                         O carniceiro dorme num quarto no
                         fim do corredor. Não vai nunca
                         pra casa. Acho que não tem casa.
                         O único interesse dele é cortar
                         pernas e braços, Sargento, abrir
                         barrigas, manchar as mãos imundas
                         de sangue.

                                   CALDEIRA
                         Eu também conheci um homem assim,
                         General.
                             (Pausa)
                         General, também eu tenho uma
                         missão de vingança.



        55     EXT. CAMPO DE BATALHA – DIA                             55

               Carga de cavalaria.



        56     INT. HOSPITAL / QUARTO – NOITE                          56

               Netto e Caldeira conversam.

                                   NETTO
                         Vingança não é o mesmo que
                         justiça, sargento.

                                   CALDEIRA
                         Nem sempre dá pra separar as
                         coisas,General. Preciso de sua
                         licença para matar um homem.

                                   NETTO
                         Quem é esse homem, Sargento?

                                   CALDEIRA
                             (encara Netto)
                         Está neste quarto.

                                   NETTO
                         Vosmecê tem minha licença,
                         Sargento.



        57     EXT. CAMPO DE BATALHA – DIA                             57

               Carga de cavalaria.

               Planos próximos de momentos de choque.

               Homens feridos, poeira, homens caem dos cavalos, cavalos
               sem cavaleiros, cavalos mortos e feridos.

               Entrevero.



        58     EXT. CAMPO DE BATALHA – DIA                             58

               Cenário pós-batalha: feridos, fumaça negra, corpos
               estirados, cavalos mancando, carroções. Ouve-se gemidos e
               lamentos. O campo está juncado de cadáveres e estandartes.
               Corpos de soldados imperiais mortos caídos no pasto. As
               fardas azuis empapadas de sangue. Soldados republicanos
               caminham entre os corpos. Atendem os feridos. Dos mortos,
               tiram-lhes botas, armas, munições. Milonga tira as botas de
               um morto e calça-as.

               Pan percorre os cadáveres até encontrar Netto (32 anos),
               ferido no meio do campo.

               Joaquim Pedro aproxima-se de Netto. Joaquim está
               desgrenhado, manchas de sangue no rosto, a túnica rasgada.

                                   JOAQUIM
                         Vosmecê foi ferido, Coronel?

                                   NETTO
                         Parece.

                                   JOAQUIM
                         Sente dor?

                                   NETTO
                         Não. Quer dizer, sim. Golpe de
                         boleadeira. Não consigo tirar o
                         dólmã.

                                   JOAQUIM
                         Preciso de sua ajuda, Coronel. O
                         Major Davi Francisco não quer se
                         entregar. Encontrei ele caído lá
                         na sanga, muito ferido. O senhor
                         talvez o convença, o senhor o
                         conhece.

                                   NETTO
                         O Davi? Vamos lá.

               Vêem Teixeira próximo a eles, também com o aspecto de quem
               acabara de enfrentar uma batalha feroz.

                                   NETTO
                         Teixeira, vem com a gente.

                                   TEIXEIRA
                         Precisamos falar.

                                   NETTO
                         Depois. Vamos.

               Os três montam a cavalo. Cavalgam em direção a sanga.

                                   TEIXEIRA
                         O que aconteceu?



        59     EXT. CAMPO DE BATALHA / SANGA - DIA                     59

               Joaquim contorna a sanga quando vê o oficial imperial Davi
               Francisco arrastando-se na lama. Davi tem o dólmã rasgado e
               está sem capacete.

                                   JOAQUIM (OFF)
                         Encontrei um amigo nosso, o Major
                         Davi Francisco. Não quer se
                         entregar.

               Joaquim aproxima-se do Major Davi Francisco.

                                   JOAQUIM
                         Major, está preso. Entregue sua
                         espada.

                                   MAJOR DAVI
                         Não lhe entrego nada.

               Joaquim encosta a ponta da espada no peito do caído.

                                   JOAQUIM
                         É inútil, Major. Vosmecê foi
                         derrotado numa boa luta. Entregue
                         a espada.

                                   MAJOR DAVI
                         Já lhe respondi, Capitão.

                                   JOAQUIM (RETIRA A ESPADA)
                         Vosmecê é Davi Francisco, não é
                         mesmo? Eu sou o Capitão dos
                         Dragões Joaquim Pedro Soares.
                         Vosmecê está ferido, Major. Acho
                         que quebrou a perna. Será tratado
                         como merece um camarada de armas.
                         Entregue a espada.

                                   MAJOR DAVI
                         Me desculpe, Capitão, mas minha
                         espada não lhe entrego.

                                   JOAQUIM (OLHA AO REDOR)
                         Não me entrega sua espada porque
                         meu posto é inferior?

                                   MAJOR DAVI
                         Não lhe faria essa desfeita,
                         Capitão.



        60     EXT. CAMPO DE BATALHA / SANGA - DIA                     60

               Netto, Teixeira, e Joaquim cavalgam lado a lado.

               Chegam a beira da sanga.

               Davi Francisco procura erguer-se, apoiado na espada.

               Com a chegada dos três, torna a sentar-se na lama.

               Netto desmonta. Avança pela água lodosa.

               Milonga, a pé,  vê a cena de longe e se aproxima.

                                   NETTO
                         Davi, me entregue essa espada.

                                   MAJOR DAVI
                         Com todo o respeito, Coronel,
                         não.

                                   NETTO
                         Somos amigos. Já estivemos do
                         mesmo lado. Me dê a espada.

                                   MAJOR DAVI
                         Não.

                                   NETTO
                         Mas que homem mas custoso, meu
                         Deus do céu.
                         O combate já terminou, vamos
                         tratar dessa perna.
                             (leva a mão em direção
                              ao oficial;
                             Davi recua)
                         Bueno, fica com a espada. Me dá o
                         braço. Vamos sair deste charco.

                                   MAJOR DAVI
                         Não posso fazer isso, Coronel.

                                   NETTO
                         Não? E por que não?

                                   MAJOR DAVI
                         Vosmecê sabe.

                                   NETTO
                         Bueno.
                             (para Teixeira)
                         Espera aqui.
                             (volta ao cavalo e
                              monta; fala para
                              Joaquim)
                         Vamos buscar alguns dos
                         prisioneiros para levantá-lo. Que
                         homem mais custoso.

               Afastam-se a galope sob o olhar de Milonga.



        61     EXT. CAMPO DE BATALHA / PRISÃO - DIA                    61

               Netto e Joaquim param seus cavalos frente ao quadrado onde
               estão prisioneiros Caldwell e outros oficiais. Netto
               desmonta e passa entre eles. Todos têm o aspecto abatido de
               depois de uma batalha.

                                   NETTO
                         Major Caldwell, preciso de sua
                         ajuda, como camarada de armas.

                                   CALDWELL
                             (perfila-se)
                         Pois não, Coronel.

                                   NETTO
                         O Davi Francisco está caído lá na
                         beira da sanga, com um tiro na
                         perna. Meteu na cabeça que não se
                         entrega. O senhor pode me ajudar
                         a convencê-lo.

                                   CALDWELL
                         Vou com o senhor.

               O Corneteiro dos monarquistas dá um passo a frente.

                                   CORNETEIRO
                         Coronel, me dê licença: o Major
                         Davi é meu amigo. Posso ir junto?

                                   NETTO
                         Dêem um cavalo pra esse guri.



        62     EXT. CAMPO DE BATALHA / SANGA - DIA                     62

               Davi pega uma pistola.

               Teixeira se distrai com a paisagem.



        63     EXT. CAMPO DE BATALHA - DIA                             63

               Netto, Joaquim, Caldwell e o Corneteiro escutam um tiro
               vindo da sanga. Aceleram o andamento das montarias.



        64     EXT. CAMPO DE BATALHA / SANGA - DIA                     64

               Netto, Joaquim, Caldwell e o Corneteiro aproximam-se em
               trote acelerado. Há um grupo de soldados rodeando Davi
               Francisco. Caminham fazendo ruído na água lodosa. Afastam
               os soldados que se amontoam. O Major Davi Francisco tem o
               rosto enterrado na lama. A mão direita empunha uma pistola.
               Teixeira tem o ar desalentado, vai dizer algo mas Netto o
               impede. Ficam olhando o corpo. Depois, Caldwell e o
               Corneteiro abaixam-se e procuram erguê-lo. Davi abre os
               olhos. Caldwell e Davi se olham durante alguns momentos e
               então Davi morre nos braços de Caldwell. Sem muito esforço,
               as várias mãos dos outros oficiais carregam-no até o cavalo
               do Corneteiro. O rapaz salta para a garupa e ampara o corpo
               cambaleante. Voltam a passo lento.

               C.up de Teixeira, abatido.

               Milonga olha para ele, confuso.

               PG Crepúsculo.

               Toque de Silêncio.



        65     INT. HOSPITAL(QUARTO) -  NOITE                          65

               Netto e Caldeira conversam.

                                   NETTO
                         Matar? Já fizemos isso antes,
                         Sargento.

                                   CALDEIRA
                         É verdade.

               Close de Ramírez, que abre um olho.

                                   NETTO
                         Não preciso saber por quê. Quero
                         saber como.

                                   CALDEIRA
                         Ainda não me decidi, General.

                                   NETTO
                         Seja como for, precisa ser em
                         silêncio.

                                   CALDEIRA
                         E antes do clarear do dia.



        66     INT. BARRACA - NOITE                                    66

               Netto e Teixeira conversam dentro da barraca de Netto.

               Netto está sem camisa e Teixeira enrola uma grande faixa
               branca no tórax de Netto. Ouve-se ao fundo, vinda da rua,
               uma música de batuque e guitarra, acompanhada por uma voz
               que entoa cânticos sem letra.

                                   TEIXEIRA
                         A palavra final é tua.

                                   NETTO
                         Minha?

                                   TEIXEIRA
                         O senhor está no comando,
                         Coronel.

                                   NETTO
                         Não posso decidir sem consultar o
                         Coronel Bento Gonçalves. É ele o
                         lider do movimento.

                                   TEIXEIRA
                         É impossível consultar Bento
                         Gonçalves.

                                   NETTO
                         Então vamos esperar para quando
                         seja possível.

                                   TEIXEIRA
                         Então talvez seja tarde demais.

                                   NETTO
                         Temos todo o tempo do mundo,
                         Teixeira.

                                   TEIXEIRA
                         Todo o tempo do mundo? Quem tem
                         todo o tempo do mundo? Nosso
                         povo? Nossas idéias?

                                   NETTO
                         Esse negócio não se pode fazer
                         assim de repente.

                                   TEIXEIRA
                         Nem esperar todo o tempo do
                         mundo.

                                   NETTO
                         Os acontecimentos precisam
                         amadurecer.

                                   TEIXEIRA
                         Que frase triste, Netto! Já
                         derrubamos o presidente desta
                         província. Já desafiamos o
                         imperador do Brasil. Já
                         desencadeamos uma guerra.

                                   NETTO
                         Desencadear uma guerra não é uma
                         virtude, Capitão Teixeira.

                                   TEIXEIRA
                         Não, não é. Às vezes é um dever.

                                   NETTO
                         Hoje morreu muita gente boa. Pelo
                         dever.

                                   TEIXEIRA
                         Cento e oitenta mortos, Coronel
                         Netto. Eu sei muito bem.

                                   NETTO
                         Isso não lhe deixa mais
                         cauteloso?

                                   TEIXEIRA
                         Perdi amigos queridos. E de ambos
                         os lados. Não estou feliz. O que
                         mais falta, meu amigo? Sabíamos
                         que este momento ia chegar.

                                   NETTO
                         Quem garante que o momento
                         chegou?

                                   TEIXEIRA
                         Nossos aliados todos. Os
                         comerciantes, os estancieiros.
                         Todos os oficiais são a favor.
                         João Manoel é a favor. Lucas é a
                         favor. Domingos é a favor.

                                   NETTO
                         Eu sei, eu sei. Lucas e Domingos
                         também já me encheram os ouvidos
                         com essa história de proclamação.

                                   TEIXEIRA
                         O combate de hoje foi um golpe
                         que os monarquistas jamais
                         esperavam. Estão desnorteados,
                         sem saber o que fazer. É nossa
                         obrigação aproveitar o momento.

                                   NETTO
                         Isso faz me lembrar uma palavra
                         que vosmecê gosta de empregar,
                         Capitão.

                                   TEIXEIRA
                         Uma palavra?

                                   NETTO
                         Voluntarismo. Palavra bonita.

                                   TEIXEIRA
                         Eu estou falando em sina. Em
                         destino. Não estou falando em
                         política. O destino nos colocou
                         aqui. Onde está Bento Gonçalves?
                         Não sabemos. Nós estamos aqui. É
                         a sina. O destino.

                                   NETTO
                         Tentativas voluntaristas para
                         alcançar objetivos seculares
                         mediante a vontade subjetiva. Eu
                         tenho poucas leituras mas boa
                         memória, Capitão.

                                   TEIXEIRA
                         Sempre critiquei a vontade
                         subjetiva, o voluntarismo
                         heróico, mas estou falando de
                         fatos, Coronel.

                                   NETTO
                         E de sina.

                                   TEIXEIRA
                         E de sina, sim. Nos coube estar
                         aqui hoje. Coube a vosmecê
                         derrotar o Coronel Silva Tavares.
                         Coube a vosmecê o comando destes
                         acontecimentos. Cabe a vosmecê
                         seguir o curso desses
                         acontecimentos.
                         Não se trata de voluntarismo nem
                         de vontade subjetiva. Trata-se de
                         um fato. Não pode fugir a um
                         fato.

                                   NETTO
                         Não estou fugindo a nada,
                         Teixeira. Justamente estou
                         procurando não fugir a nada. Eu
                         já andei fugido. Não foi uma boa
                         experiência. É atear fogo perto
                         dum paiol com pólvora.

                                   TEIXEIRA
                         Já fizemos isso antes.

                                   NETTO
                         Mais uma razão para não
                         repetirmos loucuras.

                                   TEIXEIRA
                         Podemos atear esse fogo. Temos
                         uma causa, temos camaradas. Somos
                         fortes.

                                   NETTO
                         Fortes o suficiente para a
                         separação?

                                   TEIXEIRA
                         Fortes para fundar uma república.

                                   NETTO
                         Não vamos sonhar, Teixeira.

                                   TEIXEIRA
                         Ao contrário, Netto, vamos
                         sonhar. Vamos sonhar. Sonhando
                         seremos fortes. Pensa nisto:
                         amanhã vosmecê será General.

                                   NETTO
                         Não é hora pra se lembrar de
                         postos. Meu amigo, conversa com
                         os companheiros. Com calma. Com
                         ponderação. Preciso pensar.
                         Convoca os oficiais pra uma
                         reunião na minha barraca em uma
                         hora, e vamos decidir o assunto.

                                   TEIXEIRA
                         Sim senhor, Coronel. Estaremos
                         lhe esperando.

               Netto e Teixeira saem da barraca.



        67     EXT. ACAMPAMENTO - NOITE                                67

               Netto e Teixeira saem da barraca. A música de batuque,
               guitarra e voz ouve-se mais alta do lado de fora. Teixeira
               afasta-se. Netto caminha pelo acampamento. Observa a
               soldadesca lamber as feridas do combate.

               Aparecem os músicos. Milonga toca guitarra, Chupim e
               Palometa fazem a percussão e Quero-quero entoa um cântico
               sem letra.

               Netto caminha e prepara um palheiro.

               Netto chega ao curral onde estão os cavalos.

               Acende o palheiro. Dá uma tragada funda.

               O Sargento Caldeira aparece das sombras.

                                   CALDEIRA
                         Pitando, Coronel?

                                   NETTO
                         Pensando, Sargento. Pitando e
                         pensando.

                                   CALDEIRA
                             (observa os cavalos)
                         Estes bichos sofreram muito.

                                   NETTO
                         Foi uma batalha e tanto.

                                   CALDEIRA
                         Os monarquistas não vão esquecer
                         tão cedo.

                                   NETTO
                         Como era lá em cima, Sargento?

                                   CALDEIRA
                         Lá em cima onde? Nas Encantadas?

                                   NETTO
                         Por que não ficaram na serra? Não
                         eram livres por lá? Não estavam
                         seguros?

                                   CALDEIRA
                         Para sermos livres, para sermos
                         seguros, precisamos dum país,
                         Coronel. Quando ouvimos falar da
                         revolução, que a revolução queria
                         a república, o fim da escravidão,
                         resolvemos descer.
                         Sem armas, sozinhos, não podíamos
                         desafiar o Império. Mas junto com
                         os republicanos somos fortes.
                         Somos parte do exército
                         revolucionário. Podemos fundar um
                         país, Coronel.

               Um relâmpago ilumina os dorsos dos cavalos.

                                   NETTO
                         Meus camaradas também querem um
                         país, Sargento.

               O vento começa a redemoinhar no curral e os cavalos se
               espantam, dando relinchos curtos, encostando-se uns aos
               outros.

                                   NETTO
                         Se vem o temporal.
                             (ajeita o poncho nos
                              ombros e sente a dor
                              nas costelas)
                         Boa noite, Sargento.

                                   CALDEIRA
                         Boa noite, Coronel.

               Netto dá um último olhar aos cavalos e afasta-se.

                                   CALDEIRA
                         Coronel Netto.

               Netto pára. Volta-se.

               Um relâmpago ilumina o Sargento Caldeira.

                                   CALDEIRA
                         Se vosmecê fundar um país eu o
                         acompanho até a porta do Inferno.



        68     EXT. CAMPO DE BATALHA - DIA                             68

               Milonga encilha seu cavalo.

               Teixeira limpa a espada.

               Caldeira lustra as botas.

               Calengo ata a cola do cavalo.

               Detalhes. Soldados vestem-se com cuidado, encilham os
               cavalos, preparam as armas, limpam a sujeira do combate.

               Milonga monta.

               Teixeira embainha a espada e abotoa o dolmã.

               Caldeira monta.

               Calengo coloca o chapéu.

               Teixeira monta.

               Calengo monta.

               Milonga passa cavalo. Junto a outros soldados.

               Pan acompanha. O grupo de Milonga junta-se a outros grupos
               de cavalarianos. Grua sobe. Afasta-se. Revela a cavalaria
               que se forma no vale frente a um promontório.

               No promontório, a cavalo, estão Netto e Joaquim,
               acompanhados de alguns soldados.

               Bandeiras tremulam ao vento.

               Os Lanceiros Negros, com Caldeira à frente e Milonga a seu
               lado, estão solenes e imóveis.



        69     INT. HOSPITAL / QUARTO – NOITE                          69

               Netto e Caldeira conversam.

                                   CALDEIRA
                         Não temos muito tempo antes de
                         clarear o dia, General.

                                   NETTO
                         Sargento Caldeira... Essa carta
                         me lembrou de uma coisa que
                         Garibaldi me disse...



        70     INT. ESTÚDIO – NOITE                                    70

               C.up Garibaldi.

                                   GARIBALDI
                         Quando não tinha onde morar,
                         quando em fuga não tinha sequer
                         companheiros, eu pensava que era
                         louco e que sonhava coisas
                         impossíveis, coisas
                         irrealizáveis, coisas que se
                         sonha apenas pelo prazer de
                         sonhar e pelo consolo de sonhar.
                         Aqui nestas terras eu aprendi que
                         se pode realizar qualquer sonho.
                         Mesmo o mais louco, mesmo o
                         aparentemente mais impossível.



        71     EXT. CAMPO DE BATALHA – DIA                             71

               Netto e Joaquim estão perante a tropa perfilada.

                                   NETTO
                         Coronel Joaquim Pedro.

               Joaquim dá um toque de esporas e se adianta na formação.

                                   NETTO
                         Proceda à leitura da ordem do
                         dia.

               Joaquim Pedro tira da faixa vermelha enrolada na cintura
               uma folha de papel. Desenrola a folha de papel. O silêncio
               é completo. O vento agita as bandeiras, os cabelos, as
               crinas dos cavalos.

                                   JOAQUIM
                         Bravos companheiros da 1a.
                         Brigada de Cavalaria. Ontem
                         obtivestes a mais completa
                         vitória sobre os escravos da
                         Corte do Rio de Janeiro. Nossos
                         compatriotas, os rio-grandenses,
                         estão dispostos como nós a não
                         sofrer por mais tempo a
                         prepotência de um governo tirano,
                         arbitrário e cruel, como o atual.
                         Em todos os ângulos da Província
                         não soa outro eco que
                         Independência, República,
                         Liberdade ou Morte. Camaradas,
                         nós que compomos a 1a. Brigada do
                         Exército Liberal devemos ser os
                         primeiros a proclamar a
                         independência desta Província, a
                         qual fica desligada das demais
                         províncias do Império e forma um
                         Estado livre e independente, com
                         o título de República Rio
                         grandense. Campo dos Menezes.
                         Onze de setembro de 1836. Assina
                         o Coronel Antônio de Souza Netto,
                         comandante da 1a. Brigada de
                         Cavalaria.

               Estende a folha de papel para Netto; o ordenança de Netto
               lhe estende uma pena e Netto assina.

                                   NETTO
                         Camaradas!
                             (desembainha e ergue a
                              espada)
                         Gritemos pela primeira vez: viva
                         a independência! viva a República
                         Rio-grandense!

               Da tropa sobem vivas e aclamações. Chapéus e lenços são
               jogados para o ar. Espadas e lanças são erguidas em
               triunfo, tiros dados para o alto.

                                   SOLDADO 1
                         General. Que Netto seja General.

                                   SOLDADO 2
                         Viva a República. Viva o General
                         Netto.

                                   SOLDADOS
                         Viva a República. Viva o General
                         Netto.

                                   CALENGO
                             (aponta)
                         Miren.

               Um cavaleiro vem a toda brida.

                                   JOAQUIM
                         É o Teixeira.

               Teixeira vem esporeando o cavalo, carregando uma bandeira
               na base de uma lança. Tem o rosto iluminado. A bandeira é a
               da República Rio-grandense - verde, vermelha e amarela.

               Milonga está subido no muro de pedra. Teixeira alcança a
               bandeira para Milonga, que a levanta bem alto diante do
               exército que dá vivas e gritos. Depois, Milonga alcança a
               bandeira para Caldeira, que a alcança para João Antônio...
               De mão em mão a bandeira vai até Netto que a ergue para o
               céu.

               Plano próximo da bandeira contra o céu.

               Fusão para



        72     EXT. CAMPO – DIA                                        72

               A bandeira vai ficando velha, desbotada, e depois, aos
               poucos, esfarrapada.

               Fusão para



        73     EXT. CAMPO – DIA                                        73

               Milonga (20 anos) está acocorado próximo a uma árvore. Olha
               fixo para a frente, apoiado na lança. Seu braço direito
               está decepado na altura do cotovelo. Tem divisas de cabo na
               túnica gasta.
               Recostado ao tronco da árvore está Palometa, gravemente
               ferido, com o peito enfaixado. Quero-quero está ao lado de
               Palometa.

               Contraplano de Caldeira. Ele aproxima-se a cavalo.

               Milonga levanta-se e adianta-se para receber Caldeira.
               Caldeira chega e desmonta.

                                   CALDEIRA
                         Calhandra me deu o recado.

                                   MILONGA
                         Queremos conversar, Sargento.

                                   CALDEIRA
                         Já sei das estrepolias que
                         andaram fazendo. Não contem
                         comigo.

                                   MILONGA
                         A gente estava com fome.
                         Precisávamos comer.

                                   CALDEIRA
                         Mas não precisavam matar o velho.

                                   MILONGA
                         Ele atirou primeiro. Feriu
                         Palometa.

                                   PALOMETA
                             (mostra o peito
                              enfaixado)
                         É verdade, Sargento, olha.

                                   MILONGA
                         A gente só queria água e comida.

                                   CALDEIRA
                         Estavam desertando.

                                   MILONGA
                         É sobre isso que queremos falar.

                                   CALDEIRA
                         Depois que mataram o velho não
                         temos muito que falar.

                                   MILONGA
                         De minha parte não quero falar
                         sobre um velho morto, Sargento.
                         Quero falar sobre o que vosmecê
                         entende por deserção.

                                   CALDEIRA
                         Vosmecê é um soldado. Todos
                         vosmecês são soldados.
                         Não podem abandonar o Corpo assim
                         no más. Sabem muito bem disso.

                                   QUERO-QUERO
                         Também sabemos que nos prometeram
                         a liberdade

                                   MILONGA
                         Lutamos dez anos pra quê,
                         Sargento? Pra tornar a ser
                         escravos?

                                   CALDEIRA
                         Vosmecês não são escravos.

                                   QUERO-QUERO
                         Vão nos mandar pro Rio de
                         Janeiro, Sargento.

                                   MILONGA
                         Pra ser escravos na Corte.

                                   CALDEIRA
                         O acordo diz que todos continuam
                         soldados.

                                   PALOMETA
                         O acordo!
                             (cospe no chão)
                         Eu não quero ir pro Rio de
                         Janeiro, Sargento. Tenho mulher e
                         filho. Quero ficar aqui.

                                   CALDEIRA
                         Vosmecê desertou e matou um
                         homem.

                                   MILONGA
                         Foi pra se defender, Sargento.

                                   QUERO-QUERO
                         Lutamos pela República. Tem morto
                         nosso enterrado por todo o
                         Continente e fora dele. Isso não
                         nos dá algum direito?

                                   MILONGA
                         Lutamos porque nos prometeram a
                         liberdade. E agora querem nos
                         mandar pra Corte.

                                   QUERO-QUERO
                         Lá vamos ser escravos outra vez.

                                   MILONGA
                         Sargento, entramos nesta guerra
                         porque seríamos livres quando ela
                         terminasse.
                         Faz um dia que a guerra terminou.
                         A primeira coisa que fizeram foi
                         tirar nossas armas e botar
                         guardas nos vigiando.

                                   CALDEIRA
                         Vosmecês estragaram tudo.
                         Desertaram e mataram um civil
                         depois do tratado de paz.

                                   MILONGA
                         No meu entender não desertamos,
                         Sargento.

                                   CALDEIRA
                         Não desertaram?

                                   MILONGA
                         Mentiram pra nós.

                                   CALDEIRA
                         Quem mentiu?

                                   MILONGA
                         Todos mentiram. Os republicanos
                         mentiram. Enquanto precisavam da
                         gente pra guerra falavam em
                         liberdade, igualdade,
                         fraternidade. Quando a guerra
                         terminou nos entregaram para os
                         imperiais.

                                   CALDEIRA
                         Os republicanos não tinham força
                         política para exigir mais.

                                   QUERO-QUERO
                         Eles nos abandonaram, Sargento.
                         Essa é a verdade.

                                   CALDEIRA
                         Os republicanos estão
                         enfraquecidos, não podem criar um
                         fato político maior, mas nossos
                         aliados são eles e mais ninguém.
                         Tudo na vida são fatos políticos,
                         Palometa.

                                   QUERO-QUERO
                         Queremos ir para as Encantadas,
                         Sargento. Lá vamos ser livres.

                                   MILONGA
                         Queremos que nos guie, Sargento.

               O Sargento Caldeira percorre com o olhar a campina abrasada
               pelo sol, a linha trêmula do horizonte.

                                   CALDEIRA
                         Ninguém é livre sendo perseguido
                         o tempo todo. Nossa oportunidade
                         de ser livres de verdade é
                         continuar ao lado dos
                         republicanos. Juntar nossas
                         forças. Não importa que a guerra
                         tenha terminado. As idéias
                         continuam. Precisamos de fatos
                         políticos e não de andar vagando
                         pelas serras sem eira nem beira.

                                   PALOMETA
                         Pra nós, Sargento, a guerra não
                         acabou. Se nos agarram vamos ser
                         fuzilados na hora.

                                   MILONGA
                         Pra todos os negros a guerra não
                         acabou.

                                   QUERO-QUERO
                         Vamos pras Encantadas, Sargento.
                         Vosmecê conhece aquilo tudo por
                         lá. Vamos ser livres de verdade.

                                   CALDEIRA
                         Os tempos mudaram, soldado. A
                         escravidão acabou no mundo
                         inteiro. Vai acabar aqui também.

                                   MILONGA
                         Quando, Sargento, quando?

                                   CALDEIRA
                         Quando chegar a hora. Temos que
                         lutar por isso e não ir viver
                         escondido na serra. É uma questão
                         política.

                                   PALOMETA
                         Sargento, vosmecê está falando
                         como um branco.

               O Sargento Caldeira dá um passo adiante na direção de
               Palometa.

                                   CALDEIRA
                         Eu vim aqui falar com vosmecês
                         porque Calhandra disse que eram
                         irmãos meus que estavam pedindo.
                         Eu nunca derramei o sangue de um
                         irmão meu, mas vosmecê começa a
                         correr esse risco, soldado.

                                   PALOMETA
                         Eu não sou mais soldado.

                                   CALDEIRA
                         Não é mais soldado? É o que
                         então?

                                   PALOMETA
                         Sou um homem livre. Não me chame
                         mais de soldado.

               E não me chame de irmão.

                                   MILONGA
                         Calma, Palometa. Chamamos o
                         Sargento pra conversar porque
                         confiamos nele.

                                   PALOMETA
                         Eu não confio em ninguém.

               O Sargento faz menção de montar no tordilho. Milonga agarra
               o freio do animal.

                                   MILONGA
                         Sargento, quem foi que um dia me
                         disse: Milonga, vosmecê não vai
                         ser mais um negro ignorante que
                         nem eu, que só sabe matar pra se
                         sentir livre. Quando a guerra
                         acabar vosmecê vai estudar, vai
                         aprender a pensar, vai entrar na
                         política, vai ser advogado. Isto
                         foi tudo que eu ganhei, Sargento.

               Ergue o que resta do braço direito decepado.

                                   CALDEIRA
                         A guerra é cruel, Milonga, mas
                         agora ela terminou.

                                   MILONGA
                         Terminou pros brancos.

                                   CALDEIRA
                         Precisamos encontrar outra
                         maneira de lutar pela nossa
                         liberdade.

                                   MILONGA
                         Só existe uma maneira de lutar,
                         Sargento.

                                   CALDEIRA
                         Milonga, vosmecê pode escolher
                         entre ser um negro ignorante e
                         bruto e viver sozinho na serra ou
                         se aliar com gente que quer
                         transformar as coisas.

                                   MILONGA
                         Quem quer transformar o quê,
                         Sargento? O que hoje eu sei é que
                         se alguém quer acabar com a
                         escravidão é porque tira proveito
                         disso.

                                   CALDEIRA
                         Há muita gente boa que quer
                         acabar com a escravidão sem tirar
                         proveito e vosmecês sabem muito
                         bem disso. Muita gente boa que
                         deu seu sangue, que deu sua vida.

                                   QUERO-QUERO
                         Não podemos mais voltar. Se a
                         gente voltar vamos ser fuzilados.
                         Queremos ir pras Encantadas,
                         Sargento.

                                   MILONGA
                         De minha parte vou continuar
                         matando para ser livre.

               O Sargento Caldeira torna a olhar o pampa ao seu redor.

                                   CALDEIRA
                         Cada um é dono do seu destino,
                         Milonga.
                             (monta no tordilho)
                         As Encantadas ficam na direção do
                         nascente. Quatro dias a cavalo.

               Caldeira torce  a rédea, esporeia o tordilho e sai.

               C.up Milonga. Observa Caldeira afastar-se.



        74     EXT. CAMPO – DIA                                        74

               Milonga e Palometa a cavalo, ao passo.

               Palometa cambaleia e desfalece sobre o animal.

               Milonga ajuda-o a apear. Deita-o no pasto.

                                   MILONGA
                         Aguenta, Palometa, aguenta.

                                   PALOMETA
                         É noite?

                                   MILONGA
                         É dia.

                                   PALOMETA
                         Parece noite... Milonga... como
                         eram formosos os cavalos à luz da
                         lua...como eram formosos à luz da
                         madrugada... como eram formosos
                         quando a cerração do inverno
                         cobria os campos e eles soltavam
                         fumaradas de vapor esbranquiçado
                         pelas narinas... como eram
                         formosos ao crepúsculo do verão,
                         vistos através da poeira
                         avermelhada...

               Palometa morre. Quero-quero chora compulsivamente, com
               desespero. A câmera se move e mostra Milongas de olhos
               secos, o rosto endurecido.



        75     EXT. CAMPO – DIA                                        75

               Quero-quero coloca pedras para marcar a sepultura de
               Palometa. Milonga assiste em pé,silencioso.



        76     INT. BARRACA – DIA                                      76

               Netto (40 anos) e Osório (40 anos) estão dentro da barraca
               de Netto. Netto prepara suas coisas para viajar.

                                   NETTO
                         Fico agradecido pela
                         consideração, meu amigo, mas já
                         resolvi esse assunto. Pensei
                         muito antes de tomar uma decisão.

                                   OSÓRIO
                         Vosmecê vai fazer falta no
                         trabalho de reconstrução do país,
                         General.

                                   NETTO
                         Isso me lisonjeia, meu amigo, mas
                         aqui ficam homens capazes. Eles
                         saberão o que fazer, bem melhor
                         do que eu.

                                   OSÓRIO
                         Estivemos em lados separados
                         nesta guerra, General, mas não
                         estivemos separados pelas idéias.
                         Eu acredito na república,
                         acredito como forma de governo,
                         acredito como modernização de
                         nossa sociedade. Mas tinha
                         compromissos de consciência.

                                   NETTO
                         Eu sei, Capitão.

                                   OSÓRIO
                         Quando vosmecê parte, General?

                                   NETTO
                         Amanhã bem cedo. Muitos camaradas
                         vão comigo.

                                   OSÓRIO
                         No Uruguai as coisas não vão ser
                         fáceis.

                                   NETTO
                         Não. Vou começar tudo outra vez.

                                   OSÓRIO
                         E a estância em Bagé, General?

                                   NETTO
                         Já negociei minha estância. Vou
                         comprar uma ponta de gado. Vou
                         ser tropeiro. Eu era tropeiro
                         quando comecei a vida. Tinha
                         dezesseis anos. Agora tenho
                         quarenta, Capitão, uma idade boa
                         para recomeçar.



        77     EXT. ACAMPAMENTO – DIA                                  77

               Milonga aparece à cavalo na entrada do acampamento.



        78     INT. BARRACA– DIA                                       78

               Netto e Osório conversam.

                                   OSÓRIO
                         Lamento não poder lhe demover
                         dessa idéia, General.

                                   NETTO
                         Nas conversas do acordo de paz
                         meus pontos de vista todos foram
                         vencidos, Capitão, e eu sempre
                         pretendi ser um homem sensato.
                         Não pude fazer nada a respeito
                         dos escravos e isso me corrói.
                         Sei quando estou vencido. Só me
                         resta ir embora.

                                   OSÓRIO
                         A abolição vai chegar, General,
                         assim como a República.

                                   NETTO
                             (prepara um palheiro)
                         Disso eu não tenho dúvida,
                         Capitão. O que me corrói é o
                         destino dos negros que lutaram
                         com os republicanos. Só eles
                         perderam.



        79     EXT. ACAMPAMENTO – DIA                                  79

               Milonga avança pelo acampamento sob os olhares curiosos dos
               soldados.



        80     INT. BARRACA– DIA                                       80

               Netto e Osório conversam.

                                   NETTO
                             (prepara o palheiro,
                              acende-o e fuma)
                         A única coisa decente, nesta
                         situação, era continuar a luta
                         até chegarmos a uma decisão que
                         respeitasse a atuação dos
                         lanceiros durante esses dez anos.
                         Mas continuar uma luta por minha
                         conta e risco seria ir contra a
                         vontade de todos meus camaradas.
                         Como vê, Capitão, eu também tenho
                         compromissos com minha
                         consciência.

                                   OSÓRIO
                         Não tomo mais seu tempo, General.
                             (apanha no bornal um
                              volume encadernado em
                              couro)
                         Uma lembrança, General.

               Netto apanha o livro. "A Divina Comédia" de Dante
               Alighieri. Sorri. Examina o livro.

                                   NETTO
                         'A Divina Comédia'! Vai me
                         acompanhar nas noites de inverno.
                         Muito obrigado, meu amigo.

                                   OSÓRIO
                         Está em italiano, General.

                                   NETTO
                         Mandarei comprar um dicionário em
                         Montevidéu.
                             (abre a porta da
                              barraca)
                         Tenha a bondade, Capitão.



        81     EXT. ACAMPAMENTO – DIA                                  81

               A tarde de verão chega ao fim, pesada, opressiva. Tudo se
               tinge de vermelho. O acampamento tem um movimento lento,
               com os soldados fazendo tarefas prosaicas, vagarosos e
               entediados.

               Milonga se aproxima.

               Em frente à barraca de Netto, Osório faz continência para
               Netto, depois apertam-se as mãos. O Violeiro e o Capataz
               estão por perto.

                                   OSÓRIO
                         Foi uma honra conversar com
                         vosmecê, General.

                                   NETTO
                         Boa sorte, Capitão.

               Milonga avança até diante da barraca de Netto e estaca o
               cavalo a cinco metros dele. À distância, o Sargento
               Caldeira observa.

                                   MILONGA
                         General mentiroso! Vim pra lhe
                         matar, General.

               Osório leva a mão à culatra da pistola. Netto segura seu
               braço. Tira o palheiro da boca.

                                   NETTO
                         Há quanto tempo, amigo Milonga.

                                   MILONGA
                         Eu não tenho amigos.

               A mão de Milonga desce até o coldre. Teixeira, o Violeiro e
               o Capataz fazem menção de sacar, mas Netto torna a fazer o
               gesto.

                                   NETTO
                         Não quero ouvir nenhum tiro.

               Soldados se aproximam na expectativa de algo acontecer.

                                   NETTO
                         A guerra terminou, Milonga.

                                   MILONGA
                         A guerra terminou e eu continuo
                         escravo.

                                   NETTO
                         Pra mim tu não é escravo,
                         Milonga.

                                   MILONGA
                         General, onde está a República
                         que o senhor proclamou?

                                   NETTO
                         Ela não existe mais, Milonga.

                                   MILONGA
                         O senhor mentiu para nós.

                                   NETTO
                         Não, Milonga, eu não menti.
                         Apenas perdi a guerra.

                                   MILONGA
                         Onde está o Gavião?

                                   NETTO
                         O Coronel Teixeira morreu,
                         Milonga.

               Milonga olha para o céu avermelhado e dá um grito agudo,
               que faz Netto estremecer. Depois, olha para Netto com olhos
               frios. Osório e outros oficiais levam a mão às armas.

                                   MILONGA
                         Morre, General.

               Milonga apanha a pistola, aponta para Netto e aperta o
               gatilho. No momento do disparo, Milonga é sacudido por um
               tremor, atingido pela descarga duma espingarda. Dobra-se
               sobre o pescoço do cavalo, a arma cai de sua mão.

               Todos olham para o Sargento Caldeira, que segura nas mãos a
               espingarda fumegante. O Sargento Caldeira larga a
               espingarda no chão a tempo de receber o corpo de Milonga
               que escorrega para o chão. Apanha-o em seus braços e
               deposita-o no chão. Os soldados o cercam. As  exclamações e
               comentários cessam quando o Sargento Caldeira fecha os
               olhos de Milonga.

                                   CALDEIRA
                         Milonga, negrinho burro, matar um
                         general não é mais um fato
                         político...

               Caldeira levanta-se. Encontra o olhar de Netto. Então,
               apruma o corpo e se afasta entre os soldados que lhe dão
               passagem. Netto encontra o olhar de Osório, Netto baixa os
               olhos. Caldeira monta o cavalo e vai se afastando
               devagarinho, mas de repente crava as esporas e arranca num
               galope enlouquecido, até desaparecer no horizonte.



        82     INT. HOSPITAL(QUARTO) – NOITE                           82

               Netto e Caldeira conversam.

                                   CALDEIRA
                         Já está começando a clarear o
                         dia.

                                   NETTO
                         Sargento, essa carta de
                         Garibaldi.

                                   CALDEIRA
                         O que tem, General?

                                   NETTO
                         Ele pergunta onde Bento, onde
                         Teixeira, onde Canabarro.

                                   CALDEIRA
                         Sim.

                                   NETTO
                         Todos mortos.

               Close de Ramírez, escutando.

                                   CALDEIRA
                         Todos?

                                   NETTO
                         Bento morreu um ano depois do
                         Tratado de Paz.

                                   CALDEIRA
                         Eu soube dessa desgraça.

               Close de Ramírez.

                                   NETTO
                         Dizem que foi um cancro. Mas, pra
                         mim, foi  tristeza. Dessa que dá
                         fininho e vai carcomendo por
                         dentro. O Coronel Teixeira,
                         vosmecê sabe muito bem.



        83     EXT. CAMPO – DIA                                        83

               Teixeira cravado por uma lança se arrasta no charco.

                                   CALDEIRA (OFF)
                         A lança de Manduca Rodriguez.
                         Morreu antes da paz com o
                         Império.



        84     INT. HOSPITAL / QUARTO – NOITE                          84

               Netto e Caldeira conversam.

                                   NETTO
                         Precisamos resolver nossos
                         assuntos. Já pensou como vai
                         fazer, Sargento?

                                   CALDEIRA
                         Eu tenho esta pistola, General,
                         mas é meio barulhenta.

                                   NETTO
                         Tem uma faca na gaveta desta
                         cômoda.

                                   CALDEIRA
                         Isso é uma novidade interessante,
                         General.

                                   NETTO
                         Faca não faz barulho.

                                   CALDEIRA
                         Talvez apertando com o
                         travesseiro nas ventas dele, até
                         que pare de respirar.

                                   NETTO
                         Me parece uma boa idéia. Dá tempo
                         pra ele pensar nos pecados que
                         cometeu.



        85     EXT. CAMPO – DIA                                        85

               Plano próximo de um jaguar.

               Plano próximo de Netto com o rifle nas mãos.

               Intercala tomadas de Netto e tomadas do jaguar.

               O jaguar arma o bote. Salta.

               Detalhe. Dedo de Netto puxa o gatilho.

               O cano do rifle despeja uma língua de fogo.



        86     EXT. CAMPO – DIA                                        86

               Netto cavalga, de poncho e luvas.

               Chega na estância de Piedra Sola. O cão ovelheiro Gaudério
               passa por ele como um foguete, dá meia volta e retorna,
               emparelhando com Netto, saltando e dando latidos felizes.

               O capataz abre a porteira. Netto entra no pátio.

                                   CAPATAZ
                         Como lhe foi, patrão?

                                   NETTO
                         Matei o bicho. Tá lá perto da
                         piedra sola. Me faz o favor,
                         Apolonio, vai lá e esfola o
                         animal, e me traz a pele.

                                   CAPATAZ
                         Sim senhor. Dona Maria passou por
                         aqui hoje cedo a caminho da
                         estância.

                                   NETTO
                         Maria? Voltou de Montevidéu?

                                   CAPATAZ
                         Sim senhor. Deixou uma carta para
                         o senhor, patrão.

               Netto apeia, o capataz apanha as rédeas do cavalo e sai com
               ele para o galpão.

                                   NETTO
                         Apolonio. Me deixa o Ruiseñor
                         encilhado amanhã bem cedo.



        87     INT. PIEDRA SOLA – NOITE                                87

               Netto está diante do fogo crepitando na lareira,
               confortavelmente instalado na poltrona de couro, o cálice
               do Porto ao alcance da mão. Nas paredes dançam as sombras
               criadas pelo fogo, sobre os quadros dos antepassados, sobre
               a lança de marfim que ganhou de Osório. Ouve-se o vento
               assobiando nas frestas das janelas, perturbando as chamas
               na lareira.

               Netto lê a carta deixada por Maria.



        88     INT. CASA EM MONTEVIDÉU / QUARTO  – NOITE               88

               Maria escreve a carta para Netto em seu quarto, na casa da
               família em Montevidéu.



        89     INT. PIEDRA SOLA – NOITE                                89

               Netto termina de ler a carta.

               Deixa a carta escorregar até o chão. Toma mais um gole de
               vinho. Sente o sono tomar conta de seu corpo. Olha para o
               fogo. Fecha os olhos. Adormece.

               A porta da sala se abre. Vemos os pés descalços de um
               negrinho. Os pés se movem em direção a Netto que continua
               dormindo. Os pés são de Milonga que pára e fica olhando
               para Netto durante algum tempo.



        90     EXT. PIEDRA SOLA - DIA                                  90

               PG da casa. Amanhece.

               À cavalo, Netto deixa a estância de Piedra Sola.

               O Capataz abre a porteira e Netto se afasta a trote.



        91     EXT. CAMPO - DIA                                        91

               Diversas tomadas de Netto viajando pelo pampa, solitário.



        92     EXT. ESTÂNCIA DE MARIA - DIA                            92

               Netto aproxima-se a cavalo. Maria está em pé, na porta da
               casa. Netto desmonta, um peão apanha seu cavalo e se
               afasta. Neto tira o chapéu e faz uma vênia para Maria, que
               continua imóvel na porta. Os dois não falam.



        93     EXT. ESTÂNCIA DE MARIA / VARANDA - DIA                  93

               Netto e Maria estão sentados na varanda, diante de uma
               mesinha. Maria tem um lenço nas mãos, onde acaba de dar o
               último retoque na letra A, que estava bordando.

                                   MARIA
                         Chegou antes de eu dar o último
                         ponto, general. Com licença.

               Maria coloca o lenço no pescoço do general e dá um nó.

               Ultimamente tenho ouvido muito a seu respeito, General
               Netto.

                                   NETTO
                         Coisas boas, espero.

                                   MARIA
                         Escandalosas, me parecem.

                                   NETTO
                         Deve ser um equívoco.

                                   MARIA
                         Seu sucesso com as mulheres? Deve
                         ser.

                                   NETTO
                         Ouviu falar de meu sucesso com
                         mulheres? Isso é completamente
                         incrível.

                                   MARIA
                         Suas viagens a Montevidéu são
                         famosas, General.

                                   NETTO
                         Um homem solitário geralmente é
                         vítima de calúnias. Eu vivo para
                         o trabalho na estância.

                                   MARIA
                         A estância de La Glória, onde
                         dizem que o senhor tem duzentos
                         escravos.

                                   NETTO
                         O número de escravos que dizem
                         que eu tenho varia conforme a
                         pessoa que o diz. Mas nunca
                         ninguém me disse, ou me
                         perguntou, se as pessoas
                         trabalham na estância não
                         resolveram me acompanhar de livre
                         e espontânea vontade.

                                   MARIA
                         Desculpe.

                                   NETTO
                         Não diga isso, por favor.

                                   MARIA
                         E por que não?

                                   NETTO
                         Porque, quando o disse, surgiu
                         uma ruga na sua testa.

                                   MARIA
                         Uma ruga na minha testa?

                                   NETTO
                         Uma ruga, sim. Sinal de que pedir
                         desculpas para uma dama da
                         aristocracia de Paissandu é um
                         ato doloroso. Não faça mais isso.

                                   MARIA
                         O senhor está muito espirituoso,
                         hoje.

               A empregada da casa se aproxima com uma bandeja com café e
               bolinhos.

                                   NETTO
                         A senhorita tinha livros sobre
                         pintura naquele nosso célebre
                         encontro na biblioteca pública,
                         antes do embaixador nos
                         apresentar formalmente.

                                   MARIA
                         Aquilo não foi um encontro,
                         General.



        94     INT. BIBLIOTECA - DIA                                   94

               Netto e Maria esbarram um no outro. Ela deixa cair os
               livros que carrega. Abaixam-se ambos para recolhê-los.
               Batem as cabeças.



        95     EXT. ESTÂNCIA DE MARIA / VARANDA – DIA                  95

               Netto e Maria conversam.

                                   NETTO
                         Pois me pareceu um encontro.

                                   MARIA
                         Então o senhor espiou meus
                         livros? Segundo o consenso
                         universal, não são as mulheres os
                         seres bisbilhoteiros e frívolos?

                                   NETTO
                         Não por estas bandas.

                                   MARIA
                         Não sabia que o senhor gostava de
                         ler.

                                   NETTO
                         As noites de inverno são
                         demoradas em Piedra Sola.

                                   MARIA
                         As tardes de Paissandu também são
                         demoradas.

                                   NETTO
                         Sim?

                                   MARIA
                         E um General solteiro é assunto
                         de mulheres solteiras.

                                   NETTO
                         Naturalmente.

                                   MARIA
                         Não seja pretensioso.

                                   NETTO
                         Devo confessar que perguntei ao
                         livreiro quem vosmecê era.

                                   MARIA
                         E ele disse?

                                   NETTO
                         Certas coisas não se negam a um
                         General.

                                   MARIA
                         Principalmente se tem um exército
                         particular.

                                   NETTO
                         E depois que fiquei sabendo quem
                         vosmecê era, implorei aos deuses
                         a oportunidade de um encontro.

                                   MARIA
                         Implorou aos deuses? Ficou
                         subitamente humilde, General
                         Netto. Pensei que tinha
                         entrevistas com eles.

                                   NETTO
                         Implorei. E mobilizei meu
                         exército particular para a
                         necessidade de uma ação como a
                         dos gregos para recuperar Helena.

                                   MARIA
                         O senhor ficou zangado de verdade
                         quando falei no seu exército.

                                   NETTO
                         Eu sou um criador de gado. Mas se
                         houver necessidade eu tenho
                         muitos amigos. E meus amigos têm
                         muitos amigos.

                                   MARIA
                         Entendo.

                                   NETTO
                         Maria, eu não sou mais um homem
                         moço. E tenho medo de ter levado
                         uma vida inútil. Tenho medo de...

                                   MARIA
                         Medo? O General Netto com medo?

                                   NETTO
                         O medo é um sentimento que eu
                         conheço muito bem. A minha vida
                         toda andei cercado de homens com
                         medo. Milhares de homens com medo
                         de morrer. Ou de ficar aleijado
                         na hora seguinte. E cercado de
                         animais com medo, cavalos com
                         medo, cães com medo. O medo eu
                         conheço bem, senhorita Maria. O
                         medo é companheiro do homem.

                                   MARIA
                         Eu também tenho medo. Mas numa
                         coisa o senhor se engana,
                         General.

                                   NETTO
                         Sim?

                                   MARIA
                         Que não é um homem moço.

                                   NETTO
                         Ah, esse é um assunto que as
                         mulheres não deixam morrer.

                                   MARIA
                         Não subestime as mulheres,
                         General.

                                   NETTO
                         Não faria essa bobagem. Deus me
                         livre de filosofias em saldo e
                         más garrafas de vinho, como dizem
                         no Douro. Vou lhe contar o
                         segredo da minha aparência:o
                         vinho do Porto.

               Netto e Maria caminham no campo. Vozes em off:

                                   NETTO
                         Misturado com algumas iguarias o
                         vinho do Porto é capaz de
                         realizar milagres. Tenho as
                         receitas em casa.

                                   MARIA
                         Guardadas à chave.

                                   NETTO
                         Guardadas na memória.

                                   MARIA
                         Diga alguma.

                                   NETTO
                         Ontem Concepción cozinhou para
                         mim uma lebre que cacei.

                                   MARIA
                         Adoro lebre.

                                   NETTO
                         Deve-se cortar a lebre em pedaços
                         e deixá-los marinar no próprio
                         sangue, junto com o conteúdo de
                         uma garrafa de vinho do porto,
                         uma cebola cortada em rodelas,
                         dois dentes de alho e um ramo de
                         manjerona.

                                   MARIA
                         Parece delicioso.

                                   NETTO
                         Ponha sal grosso e pimenta preta
                         em grão e deixe tudo ficar três
                         horas nessa marinada. Pegue um
                         tacho, ponha um pouco de banha de
                         porco, duas colheres de sopa de
                         manteiga e três colheres de sopa
                         de azeite.

                                   MARIA
                         Sabe mesmo de memória.

                                   NETTO
                         No campo não se carregam livros
                         de receitas.Quando as gorduras
                         ferverem, ponha um pouco do
                         líquido da marinada.Deixe ferver
                         novamente e ponha a lebre no
                         tacho. Cubra-a com todo o líquido
                         da marinada, feche o tacho e
                         deixe em fogo brando durante uma
                         hora. Agora, conte-me um segredo
                         seu.

               Netto e Maria chegam a um cemitério no campo.

                                   MARIA
                         Um segredo meu? (Longa pausa)

               Tenho trinta e oito anos e uma vida vazia. Esse é meu
               segredo.

                                   NETTO
                         Não pode ser vazia, se apenas sua
                         presença me estimula tantas
                         coisas.

                                   MARIA
                         Quando tinha dezoito anos, era
                         noiva de um oficial de cavalaria.
                         A última vez que vi meu noivo foi
                         numa parada militar. Ele ia para
                         a guerra, orgulhoso, jovem, tão
                         belo. Digo que foi a última vez,
                         mas ele voltou um ano depois.
                         Voltou, mas não era ele.
                         Tinham cortado os dois braços
                         dele. Mas isso eu acho que
                         poderia suportar, pois era jovem
                         e forte e não amava somente o
                         corpo dele. O que eu não podia
                         suportar era que Ramón estava em
                         estado de choque. Não falava, não
                         se mexia, não se alimentava.
                         Passava os dias inteiros olhando
                         fixo para a parede na sua frente,
                         consumido por um terror que o
                         atormentava e que era só dele, um
                         terror ao qual ele não podia
                         escapar e que não podíamos
                         diminuir. Dois anos assim. Um dia
                         de verão, na hora da sesta,
                         começou a gritar, a gritar todo o
                         terror que tinha dentro, todo o
                         terror que tinha padecido, todo o
                         terror dessas guerras tão
                         heróicas que vosmecês tanto
                         idolatram. Morreu no fim da
                         tarde, vinte anos atrás.

                                   NETTO
                             (abraçando-a)
                         Passei minha vida toda entre
                         cavalos e homens.

                                   MARIA
                         Passei a minha entre rendas e
                         novenas.

                                   NETTO
                         Vosmecê estimula minha coragem.
                         Me dá força para dizer palavras
                         que nunca disse.

               Ela coloca a mão sobre os lábios dele.

                                   MARIA
                         Não diga.

                                   NETTO
                         Entre homens e cavalos, atrás de
                         sonhos. E fugindo duma palavra.

                                   MARIA
                         Não diga.

                                   NETTO
                         Uma palavra sagrada.

                                   MARIA
                         Por favor, não diga.

                                   NETTO
                         Uma palavra obscena.

                                   MARIA
                         Não. Eu tenho medo.

                                   NETTO
                         Amor.

                                   MARIA
                         Vem aí outra guerra... Não vem aí
                         outra guerra?



        96     INT. HOSPITAL / QUARTO - NOITE                          96

               C.up de Caldeira que está sufocando o Major Ramírez com um
               travesseiro. O mosquiteiro se enrosca no rosto de Caldeira
               formando uma máscara.

                                   CALDEIRA
                         Ele matava crianças, General. E
                         mulheres. Até grávidas. E pobres
                         velhos. Eu vi ele mandar abrir
                         uma cova e mandar jogar lá dentro
                         todos que restavam duma
                         povoaçãozita chamada Ayuí-Chico.
                         Todos pobres e desarmados. E ele
                         dava risadas e se achava um
                         grande herói. Grande Herói do
                         Exército da Tríplice Aliança. Eu
                         venho seguindo ele, General.
                         Desde Uruguaiana estou de olho
                         nele. Eu vi ele mandar botar no
                         rio corpo de cristão que morreu
                         de cólera, pra contaminar as
                         pessoas. Vi ele arrancar a pele
                         dum índio pra vender no comércio.

                                   NETTO
                             (segura os pés de
                              Ramírez)
                         Ele é uma besta humana.
                         Mas os paraguaios também fizeram
                         muita barbaridade com nossa
                         gente. Em Uruguaiana, em Passo
                         Fundo, no Touro Passo.

                                   CALDEIRA
                         Eles estão pagando caro, General,
                         mas este ia ficar impune, ia
                         ganhar promoção e medalhas.

                                   NETTO
                         Não pela nossa vontade, Sargento.

               A cena de Ramirez dura exasperadamente, eles caem da cama,
               rolam no chão, demora, demora. Ramirez rompe o travesseiro
               com os dentes, as penas se espalham pelo quarto todo.
               Caldeira solta o travesseiro quando sente que o Major não
               se move mais. Netto ofegante, suado, sem fôlego, demora a
               se recompor. A tempestade termina. Os mosquiteiros deixam
               de se agitar.

                                   CALDEIRA
                         Falta o seu, agora, General.



        97     INT. HOSPITAL / QUARTO - NOITE                          97

               Netto está com o uniforme de gala.

               O Sargento alcança-lhe a banda tricolor - amarela, vermelha
               e verde - da República Rio-grandense.

               Netto passa-a sobre o peito.

                                   CALDEIRA
                         Parece que vai a uma parada,
                         General.

               Netto contempla seu reflexo nos vidros da janela.

                                   NETTO
                         Um oficial rio-grandense tem o
                         dever de cuidar da aparência.
                         Três anos atrás fui a uma
                         audiência com o Imperador do
                         Brasil, a pedido dos meus amigos.
                         O Imperador me olhou, deu um
                         sorriso e disse: é verdade,
                         General, que vosmecê não tira o
                         chapéu a monarcas?  Eu respondi:
                         é verdade, Imperador, mas também
                         é verdade que eu nunca fiz
                         desfeita a um homem na casa dele.
                         Por isso vim fardado de milico.
                         Um oficial não precisa se
                         descobrir em qualquer
                         circunstância. Só diante de uma
                         dama. É
                         da etiqueta, não é verdade?  Ele
                         teve que concordar que era
                         verdade.

               Puxa os punhos da camisa para os nós dos dedos, mexe com os
               ombros, vai se tornando mais pesado, mais solene. O
               Sargento alcança-lhe o quepe. Netto ajeita-o na cabeça.

                                   NETTO
                         O Imperador do Brasil me disse
                         que admirava  nossa bela
                         Província, mas que padecia muito
                         com o ânimo belicoso dos rio
                         grandenses. Eu respondi que os
                         rio-grandenses também amavam as
                         belas artes e a democracia, e que
                         também admirávamos essa vida tão 
                         lírica da Corte, essa Atenas
                         tropical onde ele reinava tão
                         graciosamente. Mas que tínhamos
                         sustentado duzentos anos de
                         guerras de fronteiras, e que
                         sabíamos que mais guerras ainda
                         viriam.  Não éramos belicosos,
                         como ele dizia, porque assim o
                         desejávamos, mas porque, se a uns
                         coube o destino de Atenas, a
                         outros coube o destino de
                         Esparta.

                                   CALDEIRA
                         Mas bá! Gostei do floreio,
                         General.

               Netto dá um último olhar na sua imagem nos vidros da
               janela, alisa a banda tricolor no peito.

                                   NETTO
                         A espada.

               O Sargento Caldeira apanha a espada pendurada na parede.
               Netto afivela-a ao cinturão.

                                   NETTO
                         Sargento, pegue a faca na gaveta
                         da cômoda.

               O Sargento Caldeira remexe na gaveta, acha a faca e guarda
               a no bolso da túnica.

                                   NETTO
                         Não vou sujar minha espada no
                         sangue daquele verme.

               Olham o corpo esteiriçado do Major Ramírez.

                                   NETTO
                         Agora, em frente.

               O Sargento abre a porta, espia o corredor. Vazio.

                                   NETTO
                         Sargento, não sinto mais minha
                         mão direita.

               O Sargento para na porta, olha para ele.

                                   NETTO
                         Já estou melhor, Sargento. Vamos
                         fazer essa consulta com o Doutor
                         Philip M. Blood.

               Saem do quarto.



        98     INT. HOSPITAL / CORREDOR - NOITE                        98

               Netto e Caldeira avançam pelo corredor do Hospital até a
               porta entreaberta do consultório. Caldeira empurra a porta.
               Entram no gabinete.



        99     INT. HOSPITAL / CONSULTÓRIO - NOITE                     99

               Philip M. Blood está dormitando sobre a escrivaninha cheia
               de papéis, a mão morena esbarrando no tinteiro, a cabeça
               apoiada num grosso livro de capa escura, a bolsa de tabaco
               ao lado. Netto e Caldeira entram e observam o médico.



       100     INT. HOSPITAL / SALA DAS ENFERMEIRAS - NOITE           100

               A enfermeira Zubiaurre dorme num sofá, coberta com uma
               manta, a enfermeira Lisa está sentada à mesa, ao lado de
               uma vela, e lê um livro.



       101     INT. HOSPITAL / CONSULTÓRIO - NOITE                    101

               O Sargento Caldeira está atrás de Philip; agarra-lhe pelos
               cabelos e puxa sua cabeça para trás, e no momento em que
               Fointainebleux abre os olhos a faca abre-lhe a garganta de
               lado a lado.



       102     INT. HOSPITAL / SALA DAS ENFERMEIRAS - NOITE           102

               A enfermeira Lisa para de ler e escuta. Consulta o relógio
               na parede, levanta-se e sacode a enfermeira que dorme no
               sofá.

                                   ENFERMEIRA LISA
                         Cinco horas. É teu turno.



       103     INT. HOSPITAL / CONSULTÓRIO - NOITE                    103

               Caldeira larga a cabeça de Philip sobre a escrivaninha e
               olha para Netto.

                                   CALDEIRA
                         Este não carneia mais ninguém.

                                   NETTO
                         Vamos embora.



       104     INT. HOSPITAL / SALA DAS ENFERMEIRAS - NOITE           104

               A enfermeira Zubiaurre está diante do espelho arranjando a
               touca. Lisa começa a se preparar para dormir no sofá.



       105     EXT. HOSPITAL / PÁTIO - NOITE                          105

               Netto e Caldeira atravessam um jardim com canteiros
               floridos, passam debaixo de grandes árvores escuras. Ficam
               algum tempo imóveis junto ao muro, examinando a situação.
               Avançam pelo lado do prédio.



       106     INT. HOSPITAL / CORREDOR - NOITE                       106

               Os pés da enfermeira Zubiaurre avançam pelo corredor.

               Por baixo da fresta da porta fechada do consultório de
               Foitainebleux uma mancha de sangue começa a sair e escorrer
               para o corredor.

               Os pés da enfermeira avançam pelo chão do corredor.



       107     EXT. HOSPITAL / PÁTIO - NOITE                          107

               Netto e Caldeira avançam curvados. Netto percebe cada vez
               mais que suas forças terminam, mas força o organismo a
               resistir.



       108     INT. HOSPITAL / CORREDOR - NOITE                       108

               Os pés da enfermeira continuam avançando no corredor.

               A mancha de sangue se espalha cada vez mais.

               Os pés da enfermeira passam por cima da mancha de sangue.
               Ouve-se um grito agudo.



       109     EXT. BOSQUE - NOITE                                    109

               Netto e Caldeira correm aos tropeços até que chegam numa
               pequena clareira. Há uma névoa se espalhando. Netto para e
               olha para Caldeira.

                                   CALDEIRA
                         E agora, General?

                                   NETTO
                         Eu não posso voltar para casa.

                                   CALDEIRA
                         Não pode por que?

                                   NETTO
                         Sou um oficial. Matamos aqueles
                         dois vermes para fazer justiça.
                         Eu não vou fugir.

                                   CALDEIRA
                         Vosmecê vai à Corte Marcial,
                         General, mas o que vão fazer com
                         um negro velho como eu?

               Netto abaixa a cabeça. A febre começa a cegá-lo. As pernas
               vergam, mas resiste.

                                   NETTO
                         Eu não vou abandoná-lo em nenhuma
                         circunstância, Sargento. Depois
                         de sairmos deste apuro, vou
                         pensar no que é mais correto para
                         fazer.

               Continuam andando através do bosque. Chegam na beira de um
               rio. Netto desaba, exausto,  sobre o tronco de uma árvore
               caída.

                                   NETTO
                         Sargento... hoje eu me lembrei de
                         Topázio.

                                   CALDEIRA
                         O tordilho? Ele nunca perdeu uma
                         canhca reta.

                                   NETTO
                         Ele tinha uma cabeça pequena e
                         refinada...  O focinho era
                         abaulado, as narinas enormes, e
                         os olhos! Os olhos eram
                         afastados, grandes, luminosos.
                         Quando corria, Topázio parecia
                         flutuar...
                         Seu galope era etéreo, como se
                         não tocasse com as patas no chão,
                         como se flutuasse...
                             (pausa)
                         Eu matei índios. Matei negros. E
                         matei brancos. Mais do que tudo,
                         matei castelhanos: uruguaios,
                         argentinos, paraguaios, chilenos.
                         Matei portugueses. Matei galegos.

               Eu ficava matutando comigo mesmo nessa gente toda que matei
               e me dava um peso enorme no coração, Sargento. Não me
               lembro mais das grandes palavras, das grandes idéias, só me
               lembro dos mortos, um a um, da interminável procissão de
               mortos nessas guerras do pampa.

                                   CALDEIRA
                         Eu só me lembro... dum negrinho.

               Caldeira olha para longe. Netto ouve um leve rumor de água
               agitada. Começa a surgir, lento e silencioso, longo e
               escuro, o perfil de uma canoa. É conduzida por um homem
               coberto por uma capa negra. O homem impulsiona a canoa com
               uma vara comprida, seguro do rumo, sem pressa.

                                   CALDEIRA
                         O senhor deve tomar esta canoa,
                         General.

                                   NETTO
                         Bem pensado, Sargento. Para onde
                         nos leva?

                                   CALDEIRA
                         Para a outra margem. Mas eu o
                         acompanho até aqui no más. O
                         senhor vai só.

                                   NETTO
                         E por que isso?

               A canoa encosta na praia a alguns metros deles. O canoeiro
               salta para a margem. Netto não vê seu rosto. A capa negra
               arrasta no chão.

                                   CALDEIRA
                         Eu já atravessei este rio,
                         General.

                                   NETTO
                         Já o atravessou? Quando,
                         Sargento?

                                   CALDEIRA
                         Na batalha de Tuyuty, General.

               Encara num instante de fascinado terror o espectro do
               Sargento Caldeira.
               Netto se encolhe, horrorizado, e começa a se dobrar, até
               ficar de joelhos. Fica assim um longo momento, quando
               retoma a calma e começa a se erguer.

                                   NETTO
                         Não tem importância, Sargento.
                         Essa travessia a gente deve fazer
                         sozinho mesmo. Hasta la vista.

                                   CALDEIRA
                         Hasta la vista, General.

               Netto apruma o corpo e caminha na direção da canoa.

                                   NETTO
                         (para o Vulto)
                         Meu nome é Antônio.
                         (O Vulto permanece calado. Netto
                         faz uma vênia.)
                         Usted primero, caballero.
                         (O Vulto não se move.)
                         Não tenha medo que eu não vou
                         fugir.

               O Vulto entra na canoa. Netto volta-se e não vê mais o
               Sargento Caldeira. Aproxima-se da canoa. Empurra a canoa e
               salta para dentro dela. Senta-se comodamente.

               C.up Netto. A brisa agita seus cabelos.



       110     EXT. CAMPO - DIA                                       110

               Vemos a bandeira tricolor da República Rio-grandense, e em
               seguida os cavaleiros Netto, Teixeira, Joaquim, Calengo e
               Caldeira, cercados por Quero-quero, Palometa, Chupim o
               Velho e Milonga, e seguidos por um pelotão de lanceiros
               negros com suas roupas novas: jaquetas vermelhas e cartolas
               negras, empunhando compridas lanças.
                                       **fim**

               ***********************************************************
                                 NETTO PERDE SUA ALMA
                                       Roteiro de
               Tabajara Ruas 
                          Fernando Marés de Souza
                                       Rogério Brasil Ferrari
                                                             Ligia Walper
                      baseado no livro homônimo de Tabajara Ruas
                        Segundo Tratamento / 11 DE AGOSTO DE 1999
               ***********************************************************
                 http://www.roteirodecinema.com.br/bancoderoteiros.htm