V3eNu8c

Mariana Godoy e o “NÃO” ao vivo na Globo News

Ontem no Jornal das Dez da Globo News a âncora Mariana Godoy quase ia saindo do script recorrente onde manifestantes devem ser sempre feridos em “confronto com a polícia” quando alguém gritou “NÃO” em seus ouvidos. 
 

“Agora, se são sete jornalistas feridos eu imagino a quantidade de manifestantes que realmente… NÃO… que entraram em confronto com a polícia…” 

Questionada, Mariana não respondeu a pergunta sobre QUEM disse o “NÃO”:

@blogsessao o “não” foi dito em outro local ( mas eu ouvi e acabei repetindo, meio perguntando) e continuei o raciocínio
— Mariana Godoy (@mariana_godoy) Junho 14, 2013
Mariana abriu a reportagem falando que “houve confronto com a polícia” e “algumas pessoas ficaram feridas”. As organizações Globo repetiram em seus diversos veículos o talking point “entraram em confronto com a PM”, mesmo sobre cenas onde vemos manifestantes com as mãos para o alto sendo covardemente atacados pela tropa de choque.
“Manifestantes entram em confronto com a PM” http://t.co/A6IgagK49x, diz a legenda. Manifestantes com as mãos para o alto, mostra a imagem.
— Anonymous (@AnonIRC) June 14, 2013

“Manifestantes entraram em confronto com a PM” é exatamente o sentido que a frase ganha com a correção após o “NÃO” ouvido e repetido por Mariana Godoy, voltando a refletir o discurso homogêneo das Organizações Globo: manifestante só é ferido pela polícia quando “entra em confronto”.

G1: “Manifestantes entram em confronto com a PM”

CBN: “Manifestantes entram em confronto com a PM”
JN: “Manifestantes entram em confronto com polícia” também no Rio.

O fato é que Mariana Godoy ouviu e repetiu um “NÃO” dito por alguém e emendou em sequência “entraram em confronto com a polícia”. Tirem suas próprias conclusões. Se foi apenas uma coincidência, a ironia da situação não deixa de ser digna de nota. E aproveitem e vejam alguns vídeos de manifestantes, e até jornalistas, “entrando em confronto com a polícia”:

Captura-de-tela-inteira-11062013-091622.bmp

Os Manuais de Roteiro do Cinema Mudo

Quando li o ótimo What Happens Next – The History of American Screenwriting, do roteirista Marc Norman, descobri que a pioneira Anita Loos co-escreveu com John Emerson um manual de roteiro para cinema e fiquei curioso para conhecê-lo. Acreditava que gastando um bom dinheiro conseguiria encomendá-lo em algum sebo nos Estados Unidos. Porém, ao procurar pelo título na internet, descobri que ele estava digitalizado e disponibilizado na íntegra pelo Google Books, e alguns segundos depois já estava lendo as 154 páginas publicadas em 1920, que incluem o roteiro do longa “The Love Expert” como exemplo de formato.

Norman menciona outro manual, escrito por Epes Winthrop Sargent, e rapidamente descobri que o The Internet Archive havia digitalizado e disponibilizado o livro. Resolvi então descobrir todos que existiam. Fucei as bibliografias dos manuais novos e antigos, li artigos acadêmicos, procurei pelas palavras e tags certas no Google Books e no Internet Archive. O que descobri foi fascinante. 

Na era do cinema mudo o mercado editorial sobre roteiro de cinema era muito parecido com o que temos hoje. Uma concorrida prateleira de estudos sérios e embasados ao lado de manuais picaretas fazendo promessas fáceis. Com a chegada do final dos anos 20 e o advento do cinema falado os novos lançamentos foram ficando raros até sumirem. Os títulos até ali lançados foram então esquecidos em bibliotecas públicas pelas décadas seguintes. Até agora.  
Consegui aumentar de 11 para 32 a lista de títulos proposta pela pioneira pesquisa feita por J. T. Velykovsky e achar inclusive dois títulos mais antigos do que o de 1913 que ele acreditava ser o primeiro.

THE PHOTO-PLAY, de Ralph Perkins Stoddard, publicado em 1911, é até que se prove o contrário o manual de roteiro de cinema mais antigo do mundo. HOW TO WRITE A PHOTOPLAYde Herbert Case Hoagland, publicado em 1912, o segundo.

Segue então minha lista, em ordem cronológica, com um link para o texto se ele estiver disponível online:

ANOS 10

THE PHOTO-PLAY
Ralph Perkins Stoddard, Malaney and Stoddard, 1911

HOW TO WRITE A PHOTOPLAY,
Herbert Case Hoagland, New York: Magazine Maker, 1912

THE PHOTOPLAY WRITER,
Leona Radnor, New York: Leona Radnor 1913

HOW TO WRITE MOVING PICTURE PLAYS,
William Lewis Gordon, Cincinnati: Atlas Publishing Company, 1913

TECHNIQUE OF THE PHOTOPLAY,
Epes Winthrop Sargent, New York: The Moving Picture World and Chalmers, 1913

THE ART OF THE PHOTOPLAY,
Eustace Hale Ball, New York: Veritas, 1913

WRITING THE PHOTOPLAY.
Joseph Berg Esenwein and Athur Leeds, Springfield, Massachusetts: The Home Correspondence School, 1913

THE PHOTOPLAY
James A. Taylor, 1914

HOW TO WRITE A PHOTOPLAY,
Arthur Winfield Thomas, Photoplaywrights Association of America, 1914

HOW TO WRITE PHOTO-PLAYS,
Clarence J. Caine, Philadelphia: David McKay, 1915

THE PHOTODRAMA
Henry Albert Phillips, Larchmont, New York: The Stanhope-Dodge, 1915

PHOTOPLAY SCENARIOS; HOW TO WRITE AND SELL THEM  Ball, Eustace Hale, New York: Hearst’s International Library, 1915

HOW TO WRITE PHOTOPLAYS
Carl Charlton, PhiladelphiaRoyal Publishing Company, 1916 

HINTS ON PHOTOPLAY WRITING,
Leslie T. Peacocke, Chicago: Photoplay publishing company, 1916
SCREENCRAFT
Louis Reeves Harrison, New York city: Chalmers, 1916

THE ART OF PHOTOPLAY MAKING
Victor Oscar Freeburg, Boston: Macmillan, 1918

PHOTOPLAY WRITING SIMPLIFIED AND EXPLAINED
Frederick Palmer, Los Angeles: Palmer Photoplay Corporation, 1919

THE PHOTOPLAY SYNOPSIS
Ardon Van Buren Powell, Springfield, Massachusetts: The Home Correspondence School, 1919

THE IRVING SYSTEM : A NEW EASY METHOD OF STORY AND PHOTOPLAY WRITING
James Irving, Auburn, N.Y. : Authors’ Press, 1919

ANOS 20

HOW TO WRITE PHOTOPLAYS,
John Emerson and Anita Loos, New York: McCann, 1920

CINEMA CRAFTSMANSHIP. A BOOK FOR PHOTOPLAYWRIGHTS,
Frances Taylor Patterson, New York: Harcourt, Brace and Howe, 1920

SCENARIO WRITING TODAY,
Grace Lytton, Boston, New York: Houghton Mifflin, 1921

FEATURE PHOTOPLAY
Henry Alber Phillips Springfield, Massachusetts: The Home Correspondence School, 1921

MODERN PHOTOPLAY WRITING,
Howard T. Dimick, Franklin, O., J. K. Reeve, 1922

PHOTOPLAY PLOT ENCYCLOPEDIA,
Frederick Palmer, Los Angeles: Palmer Photoplay Corporatio, 1922

PHOTOPLAY SCENARIO WRITING,
Frederick Palmer,  Los Angeles:  Palmer Institute of Authorship, 1922

HOW I DID IT,
Herbert Hartwell Van Loan, Los Angeles: The Whittingham press, 1922

PHOTOPLAY WRITING,
William Lord Wright,  New York: Institute of Photography. 1922

TECHNIQUE OF THE PHOTOPLAY,
Frederick Palmer. Los Angeles:  Palmer Institute of Authorship, 1924

THE HOME MOVIE SCENARIO BOOK
Morrie Ryskind, Charles F. Stevens, James Englander, New York: R. Manson, 1927

SCENARIO AND SCREEN
Frances Taylor Patterson. New York: Harcourt Brace and Company, 1928

MOTION PICTURE CONTINUITIES
Frances Taylor Patterson . New York: Columbia University Press, 1929

(Nota: Nas versões disponibilizadas pelo Google a opção de baixar o arquivo pdf é apenas para os EUA, porém é só usar um proxy para fingir que está nos EUA (ex: http://www.usa-proxy.org/) e baixar normalmente)

CURIOSIDADES

Em 1911 Stoddard provavelmente inventou o “script doctoring”. Na última página oferece seus serviços. Por 1 dólar :

Stoddard também já demonstra a importância dos espaços em branco, e orienta a escrever com no mínimo espaço duplo entre linhas e também redigir uma descrição dos personagens e uma breve sinopse:

Hoagland dá as mesma instruções que Stoddard sugerindo a existência de um padrão já em 1912: