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Jornal Nacional da Globo viola os Direitos Humanos

Publiquei ontem sobre os princípios editoriais das Organizações Globo anunciados e desrespeitados por seus jornalistas numa mesma edição do Jornal Nacional, e inspirado pelo relato que fiz do caso da merendeira suspeita de colocar veneno em comida de alunos, o Antônio Mello, do Blog do Mello, montou este vídeo elucidativo:

Relatei no artigo original: “Em uma matéria sobre a presença de veneno em merenda escolar no RS, a âncora Fátima Bernardes afirma: “Está foragida a merendeira que pôs veneno de rato na comida de crianças e professores de uma escola pública de Porto Alegre” – enquanto mostra a foto da acusada na tela. Mas como pode a jornalista afirmar como fato algo que ainda não foi comprovado? A merendeira é SUSPEITA de ter colocado veneno, ACUSADA de ter colocado veneno, Fátima Bernardes não pode apresentar como fato que a “merendeira pôs veneno de rato na comida de crianças”. Mesmo que haja uma suposta confissão da merendeira, o advogado da acusada afirma que ela não colocou veneno algum e que se apresentará segunda-feira, informação que o Jornal Nacional não traz em sua reportagem. A matéria fere os princípios descritos nos itens 1-v, 1-x, e 1-z dos princípios editoriais, desrespeita o princípio do contraditório e qualquer senso básico de justiça.”

Porém, mais grave que desrespeitar seus princípios editoriais, os jornalistas responsáveis pela matéria – em especial o editor-chefe William Bonner e o diretor da central de jornalismo Ali Kamel – violam os direitos humanos da cidadã brasileira Wanuzi Mendes Machado, violam a Constituição Federal e o Código de Ética dos Jornalistas brasileiros:

É expresso na Declaração Universal dos Direitos do Homem em seu artigo Artigo XI:

1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.  

É expresso na Constituição Federal em seu artigo Art. 5º:

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

É expresso no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros no Capítulo III:

Art 9º A presunção de inocência é um dos fundamentos da atividade jornalística. 

Art. 12. O jornalista deve:
I – (…) ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, o maior número de pessoas e instituições envolvidas em uma cobertura jornalística, principalmente aquelas que são objeto de acusações não suficientemente demonstradas ou verificadas; 

Então fica a pergunta: até quando o Jornal Nacional e o jornalismo da Globo se sentirão acima de todas as regras, sejam elas públicas ou  privadas?

Vale ressaltar que não está em discussão a inocência ou culpa da cidadã Wanusi, pois isso só será determinado após o devido processo legal. Não é uma questão sobre este caso específico. É uma questão de princípios.

OUTRO LADO:

A Central Globo de Comunicação foi procurada mas ainda não se pronunciou. A resposta será publicada aqui neste espaço.

UPDATE: Apesar de ainda não ter recebido resposta da CGCOM, a edição de hoje do Jornal Nacional trouxe um desdobramento sobre o caso. Os jornalistas deram voz ao contraditório, apresentaram a tese do advogado da merendeira, passaram a chamá-la de “suspeita” e ao final, fizeram uma retratação: “Ao tratar desse caso policial no último sábado (6), por uma falha de edição, o Jornal Nacional não mencionou a alegação do advogado de defesa que contestava a confissão da cliente. Foi, obviamente uma falha, que foi corrigida nesta reportagem.”

Porém, apesar da retratação ser um avanço – apresentando o contraditório e admitindo um erro – o veículo ainda não admitiu que errou ao afirmar que a merendeira “pôs veneno de rato na comida de crianças” sem que esta tese estivesse comprovada.

Fernando Marés de Souza

PS.

FREE BRADLEY MANNING
FREE THE WEST MEMPHIS THREE
Remember José Cleves

E aí Tio? Problem?

books111

Homofobia não! Desinformação também não!

Mensagem que corre nas redes sociais contra a homofobia traz informações falsas e argumentos falaciosos que não ajudam a diminuir a homofobia ou aumentar a aceitação da homossexualidade.

Uma mensagem está correndo as redes sociais que – com algumas pequenas variações – traz a seguinte informação: “Homossexualidade é encontrada em mais de 450 espécies de animais. Homofobia apenas em uma. Qual é a antinatural?”

Muitas trazem o pedido para disseminar a informação: “RT se você é contra a homofobia”, ou “Coloque isso no seu mural se você é contra a homofobia”, ou até “Reblogue se você é contra a homofobia”. Eu sou contra a homofobia, mas também sou contra a disseminação de desinformação, não importa para que fins. E a mensagem está se disseminando com bastante força. Só um tweet do ator José de Abreu, gerou mais de 430 retweets. Li a mensagem em diversos murais de amigos e parentes bem intencionados no Facebook. Mas alguém parou pra checar se a informação é verdadeira, ou parou pra pensar se é relevante, antes de repassar?

O fato é que o mesmo estudo de onde foi tirada a informação de que a “homossexualidade foi encontrada em mais de 450 espécies”, o livro “Biological Exuberance: Animal Homosexuality and Natural Diversity“, de Bruce Bagemihl, mostra também que a homofobia está presente entre outras espécies além da humana. O autor discorre, por exemplo, sobre o comportamento homofóbico de grupos de Caricus, ou “white-tailed deer” (Odocoileus virginianus), que assediam, atacam, e expulsam espécimes transgêneros de sua área.

“Non-transgendered White-tails (both does and bucks of all ages, even fawns) threaten velvet-horns who try to aproach them – forcing them to remain no less than ten feet away – while bucks may actively charge velvet-horns to drive them away.” (Bagemihl, p.380)

Em outro livro, “Homosexual behaviour in animals: an evolutionary perspective“, Volker Sommer descreve patrulhas de Macacos-japonês machos (Macaca fuscata) que atacam fêmeas que estão engajadas em sexo homossexual entre si. Conta também que certos grupos de Antílopes apresentam comportamento parecido.

Então a segunda parte da mensagem está incorreta, a homofobia está sim presente na natureza, em outras espécies além da humana. E a primeira parte é incompleta, pois o livro de Bagemihl  diz que o comportamento homossexual já foi observado em mais de 1500 espécies, o número de 450 é o de espécies documentadas por ele.
Mas não é só a falha factual que compromete o argumento. O argumento em si é uma falácia, conhecida como “falácia da natureza” ou “apelo à natureza” (“Argumentum ad Naturam“), que funciona assim: “N é natural, então N é bom ou certo. U não é natural, então U não é bom ou não é certo”. Ou: “comportamento X é natural, então comportamento X é moralmente aceitável”.

Não é porque é “natural”, que um comportamento é moralmente aceitável ou bom. O mesmo estudo de Bagemihl mostra que “incesto” e “estupro” também estão presentes no comportamento sexual da grande maioria das espécies estudadas, e nem por isso são moralmente aceitáveis para a humanidade.

O que precisa ficar claro, é que “natural” ou “antinatural” não tem nada a ver com a questão. A questão é que a homofobia é moralmente inaceitável, socialmente maléfica, pois quer ingerir sobre o comportamento sexual e afetivo dos outros, e causa dor e sofrimento em seres humanos, enquanto a homossexualidade, por sua vez, é moralmente aceitável e socialmente benéfica, pois é fruto do amor e do desejo individual e não causa mal a ninguém.

Homosexual behaviour in animals: an evolutionary perspective. Cambridge, 2006.

Em seu livro, Bagemihl nos lembra que a informação de que o comportamento homosexual nos animais existe não é nova, e ela sempre foi usada para caracterizar a homossexualidade como algo deplorável, algo animalesco, seja pelos puritanos da Nova Inglaterra do século dezoito, por nazistas alemães, ou na cruzada anti-gay de Anita Bryant nos anos 70. Animais onde o comportamento homossexual pode ser facilmente observado, várias espécies de primatas, são também as espécies que cometem infanticídio, geralmente não formam casais duradouros, apresentam um comportamento promíscuo e violento.

Nos Estados Unidos, na Suprema Corte do Colorado, o debate sobre a homossexualidade ser inata ou não, do ponto de vista biológico, levou a interpretações equivocadas de que a homossexualidade seria apenas um “estilo de vida”, uma escolha pessoal, não cabendo então proteção legal contra a discriminação no âmbito dos direitos civis.

Em suma, a existência da homossexualidade entre certos grupos de animais e as características naturais, biológicas e zoológicas do sexo entre indivíduos do mesmo sexo, tem sido mais usada para gerar homofobia do que para combatê-la.

A zoóloga Marlene Zuk, em seu livro esclarecedor “Sexual selections: what we can and can’t learn about sex from animals“, define bem a questão:

“Usar informações sobre comportamento animal para justificar ideologias políticas ou sociais é um equívoco. Se a homossexualidade nos animais é generalizada ou ocasional, se ocorre mais em uma espécie que em outras, isso não deve influenciar nossas decisões sobre as políticas públicas de proteção legal de homossexuais contra a discriminação. (…) Virtualmente todos os pesquisadores sobre homossexualidade animal concordam com isso. Incluindo Bagemihl.” (Zuk, p. 176) 

Aos amigos que usam suas contas em redes sociais para divulgar causas, duas dicas: nunca passem para frente informações que vocês não conhecem de fonte primária. E existe uma regra na internet que serve para tudo: se uma mensagem traz o apelo para você passar ela adiante, não passe.